[TRANSCRIÇÃO] CF 057 – Como sintetizar uma ideia

Transcrição referente ao episódio 057 do Curta Ficção, sobre “Como sintetizar uma ideia”, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] Começa agora mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo. Eu sou o Thiago Lee.

 [Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

 [Thiago Lee] E hoje vamos falar sobre como sintetizar uma ideia.

 [Vinheta]

 [Thiago Lee] Lá no episódio 49, eu e a Jana reagimos a sinopse de vendas de livros que a gente pegou lá do Goodreads. Usando esses exemplos reais, a gente fez algumas análises superficiais de coisas que agradavam e afastavam a gente na perspectiva de leitores e foi bem legal, mas a gente achou que precisava fazer um episódio mais técnico, estabelecendo algumas definições e discutindo algumas dicas de como resumir uma história de um jeito cativante e coerente.

Essa é uma preocupação que todo escritor ou roteirista precisa ter, tanto na hora de vender o projeto para algum viabilizador, seja uma editora, uma produtora de cinema, um patrocinador, quanto obviamente na hora de vender essa história para um consumidor final, embora as preocupações nesses dois casos sejam diferentes.

 [Jana Bianchi] É, não sei se vocês já perceberam, mas todo episódio do Curta Ficção começa com o resumo do tema em uma sentença, que é aquela sentença que o Lee fala logo antes da vinheta e depois segue com uma pequena apresentação sobre o que a gente vai abordar sobre o episódio, antes de entrar no conteúdo em si, que é exatamente esse trecho que estamos fazendo agora.

E a gente faz isso justamente porque sintetizar uma ideia traz dois grandes benefícios: Primeiro, ajuda a pessoa que está criando aquele conteúdo a ter uma noção, um norte, pensando em como afunilar as milhões de possibilidades de como abordar um determinado tópico, e segundo, ajuda essa pessoa que está criando esse conteúdo a vender para alguém, no caso vocês, quando estamos vendendo a ideia desse episódio para vocês, que vai ser então convencido a consumir aquele conteúdo na íntegra e essa pessoa que vai ser a pessoa que vai comprar os direitos para depois publicar, produzir aquele conteúdo, enfim, ou o consumidor final do conteúdo mesmo.

 [Thiago Lee] Nesse episódio a gente vai primeiro definir brevemente alguns conceitos que orbitam o processo de sintetização de uma ideia e depois vamos dar quatro dicas de como sintetizar a ideia do seu projeto na prática. E a primeira coisa relacionada a definições, que a gente tem que dizer aqui, é que as nomenclaturas e os conceitos relacionados as diferentes maneiras de se sintetizar uma ideia vão variar, tanto pelo meio que você está transitando, em especial a “literatura” versus “audiovisual” (cinema), como com quem está falando sobre o tema. A nossa ideia aqui é tocar brevemente nos tipos de resumo de ideias que existem, para mostrar as possibilidades e também os usos comuns de cada um.

E o primeiro conceito de todos é a log line. A gente resolveu começar por esse, porque representa o resumo mais curto de uma ideia, a definição dela em uma única sentença. Há quem diga que a log line deve ser definida antes da escrita do livro ou roteiro, há quem diga que é depois, mas o importante de se saber aqui é que grandes histórias podem ser resumidas em “uma linha” de forma satisfatória. Um exemplo de log line é: “Um hacker aprende com rebeldes misteriosos a verdadeira natureza de sua realidade e seu papel na guerra contra aqueles que a controlam”, que seria uma maneira efetiva de resumir a trilogia Matrix.

 [Jana Bianchi] Outro conceito que se mistura ao da log line, é o conceito de pitch. E eu digo que ele se mistura porque em alguns lugares você vai ver o uso do pitch para se referir ir ao log line, mas em alguns outros você vai ver o conceito de pitch sendo mais parecido com a premissa, um pouco mais explicado e abrangente. Então por exemplo, no livro The Anatomy of Story, que eu acabei de ler e recomendo muito, o John Truby propõe que a premissa é um parágrafo que explica quem é o personagem no começo da história, qual a ação dominante que este personagem vai ter ao longo da história e qual a condição final que o personagem vai alcançar, depois que ele se transformar na mudança final.

Um exemplo de pitch, ou de premissa, inclusive retirado do The Anatomy of Story, é: “Quando uma princesa cai em perigo mortal, um jovem rapaz usa suas habilidades como lutador para salva-la e derrotar as forças malignas de um império galáctico“, que é um resumo de Star Wars.

A gente já comentou aqui muito sobre o conceito do “pitch de elevador”, que é um resumo que você conseguiria dar em alguns minutos do seu projeto, caso você tivesse a oportunidade encontrar um editor ou produtor de cinema ou algum viabilizador em um elevador. No mercado anglófono, essa proposta de um tempo tão limitado para apresentar a sua ideia existe mesmo, apesar de que o “pitch de elevador” ser uma brincadeira, esse conceito existe e é bem comum. Então, em algumas convenções e eventos, se você tem um tempo para apresentar a sua ideia para o editor ou a produtora, você consegue apresentar mais do que a log line, por isso nós podemos dizer que o pitch é um pouco mais extenso. Então, é por isso aqui nós propomos pensar nessa diferença entre um e outro.

 [Thiago Lee] Também existe um outro tipo de síntese de ideia, que abrange um pouco mais de coisas, o que é o resumo completo, também conhecido como sinopse com spoilers, e esse não é exatamente um termo estabelecido, mas foi o que a gente pensou em usar para se referir a um resumo que você vai fazer da história, com um pouco mais de detalhes.

É algo que, por exemplo, a Dame Blanche e a Mafagafo exigem nos processos de seleção e é basicamente outline simplificado da história. É bastante utilizado por editoras e agentes, geralmente o resumo completo é mais fácil de ser feito quando a história toda está pronta, mas pode nascer do seu outline mais detalhado também, se você for do tipo que planeja a história antes.

Como a gente já disse, este é um resumo com spoilers, porque é importante que o alvo desse texto (como falei, um editor, um produtor, um agente) saiba certinho o que vai acontecer ao longo da história. É muito importante que o editor saiba o final e eu sei que muita gente fala “ah eu não vou contar o final para o editor“, “ele ter que ter aquele gancho, tem que ficar curioso“, mas para quem vai contratar, quem vai pagar dinheiro para produzir a sua história, é importante que ela saiba o que vai acontecer no final, sabe?

 [Jana Bianchi] [rindo] Sim, imagina o George R. R. Martin falando: “Aí, faz a minha série aí, mas não vou contar o que vai acontecer no fim, não. Vocês vão ter que acreditar em mim que vai ser bom

 [Thiago Lee] Os roteiristas também usam algumas convenções para escrever esses resumos com spoilers e alguns vão chamar de escaleta, por exemplo, mas o importante mesmo é o conceito. E aí uma coisa que eu aprendi enquanto eu estudava sobre roteiro é, por exemplo, uma forma legal de dividir esse resumo com spoilers.

Seriam cinco parágrafos, o primeiro parágrafo você faz um pitch da história, um resumão, por exemplo “Harry é um garoto que descobre ser um bruxo e vai estudar em uma escola de magia para aprender mais sobre seu passado misterioso“.

Isso é meio que um resumão, um pitch sem contar o final, e aí o próximo paragrafo você começa descrevendo o primeiro ato da história, que seria algo como: ” Vivendo debaixo da escada da casa dos tios, Harry recebe uma carta de convite à escola de Hogwarts. Ele então descobre que seus falecidos pais eram bruxos e no seu aniversário de 11 anos, ele é que vai aprender também a ser um bruxo”. E eu deixo aí como exercícios a vocês que destrinchem mais essa ideia aí, pois esse foi um exemplo, mas costumam ser parágrafos um pouco maiores.

Então, primeiro foi um parágrafo descrevendo um resumo, um pitch da história para chamar a atenção do leitor, em seguida um outro parágrafo para falar do primeiro ato, depois um ou dois parágrafos, vai depender do seu processo, descrevendo o segundo ato da história, aí geralmente você vai ter um parágrafo que termina no ponto central da trama e outro parágrafo que termina antes do clímax, que seria para o terceiro ato. Logo, você poderia fazer um parágrafo descrevendo a vida de Harry na escola até o momento em que ele se olha no Espelho de Ojesed e mais outro parágrafo até o momento que ele vê o Voldemort bebendo o sangue de unicórnio. No final, mais um parágrafo descrevendo o terceiro ato, que descreve o clímax e o final. É um bom jeito de estruturar, claro, é só um exemplo e roteiros costumam ter uma estrutura mais rígida que um romance, mas bom para você ter uma ideia de como estruturar as suas ideias. Claro, fica a critério de cada um de como fazer isso.

 [Jana Bianchi] Por fim, existe mais uma maneira de síntese que a famosa “sinopse”, que é um termo que a gente geralmente usa para se referir a sinopse final ou sinopse de venda do livro, que é aquele resumo da história que vai na quarta capa do livro ou na descrição da Amazon, Wattpad, Goodreads, etc, que é a sinopse. Geralmente, é um texto comercial, o que significa que muitas vezes, em especial no caso de grandes autores, não é elaborado pelo próprio autor, porque se você estiver publicando por uma editora, tanto seu editor quanto o seu agente e algumas vezes o próprio departamento de marketing da editora, serão essas pessoas que vão ajudar a elaborar a sinopse, porque ela é uma ferramenta para convencer o leitor a consumir aquele conteúdo e a partir do momento que você faz parte de uma editora ou de um projeto maior, esse interesse não é só seu, então tem toda uma coisa profissional por trás.

Na minha humilde opinião aqui, às vezes é mais importante você saber definir log line, a premissa, esse resumo completo da sua história, do que elaborar essa sinopse de venda, justamente porque esses primeiros conceitos vão te ajudar a escrever e também encontrar um viabilizador para o seu projeto. Além disso, por essa existência desses conceitos diversos que rodeiam esse tema, nós hoje nesse episódio escolhemos falar de modo mais geral de como sintetizar uma ideia, ao invés de simplesmente falar de como fazer uma sinopse de venda. Então, nossa ideia inicial era de um episódio de como fazer sinopses, mas elaborando a pauta eu pensei, “Não, eu acho que é mais interessante falar sobre como sintetizar ideias e aí com dicas para vocês construírem seus log lines, seus pitchs ( preparar algum pitch para algum processo de seleção de editora, para Mafagafo, para Dame Blanche), do que sentar aqui e falar ‘Ó, sinopse se faz assim…’”.

 [Thiago Lee] Bom, para a gente separou quatro boas práticas para você ter em mente na hora de criar (guardas as devidas particularidades, é claro) qualquer um desses tipos de resumos.

E já partindo para a primeira dica, “seja concreto e objetivo”.

Falando de novo lá do episódio 49, nós demos exemplos de sinopses de vendas que pareciam falar muito, muito, mas no final não falavam nada sobre a história, principalmente quando se trata de uma história de gênero, que são mais orientadas para o plot (a narrativa, a trama) do que para a linguagem e a forma do texto. É muito importante que o receptor do seu resumo, seja ele um editor, um produtor ou um leitor final, saiba de uma forma muito concreta sobre o que é a sua história. A log line, o pitch ou a sinopse não são lugares para você expor demoradamente como seu cenário tem elementos legais ou especificando a personalidade do personagem. Uma dica legal para manter a história bem concreta é sempre focar em “apresentar o personagem”, através de um adjetivo, alguma coisa que com uma ou duas palavras você possa puxar o interesse do leitor, e o “conflito”, aí em volta disso você inserir outros elementos que você ache interessante, mas falar exatamente quem é o seu personagem e o que ele vai buscar ao longa da história, te ajuda muito.

Uma sinopse decepcionante, por falar mais sobre o universo do que sobre a história, é a de Os Senhores dos Dinossauros, por exemplo. Vou falar ela aqui:

Em ‘Os Senhores dos Dinossauros’, Victor Milán consegue materializar um sonho que milhares de leitores compartilham secretamente desde a infância: cavalgar os gigantes répteis pré-históricos, como o terrível Tiranossauro Rex. O romance se passa no Império da Nuevaropa, um continente claramente inspirado na Europa do século XIV. Cultura e costumes, religião, conflitos políticos, tecnologia e armamento são compatíveis com o último período da Idade Média. Mas neste mundo, construído pelos Oito Criadores, os dinossauros também fazem parte do arsenal de guerra. Os Senhores dos Dinossauros é o primeiro livro de uma Trilogia desenvolvida por Victor Milán, autor de mais de 100 romances de ficção científica e fantasia. Ele também é um dos fundadores e coescritores do projeto Wild Cards, de Melinda M. Snodgrass e George R. R. Martin. O autor de Guerra dos Tronos, amigo pessoal de Milan, define o que os leitores podem esperar de Os Senhores dos Dinossauros: ‘É como um encontro de Jurassic Park com Game of Thrones’.

 [Jana Bianchi] [segurando a risada inicialmente] Ou seja… Ou seja, por mais que o universo aí cheio de dinossauros e o pitch do Martin, que obviamente tem todo um peso, me interesse por si, eu lembro que me desanimei de ler esse livro, porque eu não tinha nem ideia sobre o que esperar da história. Então tipo assim, “quem vai fazer o que” nessa história, sabe? E olha, se fosse alguma coisa como:

A história de um adestrador de dinossauros de guerra que resolve fugir porque foi prometido em casamento para a família de uma lady do reino vizinho, mas o sonho dele é se casar com o cozinheiro do rei”, o impacto de “Jurassic Park com Game of Thrones” ainda seria o mesmo e eu teria muito mais vontade de conhecer esses personagens e essa história, que inclusive eu inventei aqui para a pauta, mas eu super leria algo assim, fica aí a dica se alguém quiser escrever e me mande.

Enfim, pode parecer meio óbvio, mas o resumo é onde você vai concentrar a sua história nos elementos mais importantes, onde você vai TCHARAM, resumir! E esses elementos, em geral, são o conflito e o personagem com, obviamente, alguns toques de ambientação, então é claro que você vai falar no resumo desse livro, que ele é um “Jurassic Park com Game of Thrones”.

Outra coisa que também óbvia, mas é sempre importante falar, é que a gente nunca vai conseguir contemplar toda a história no resumo, é virtualmente impossível. Então, faz parte do processo deixar as coisas de fora, deixar elementos de fora, e isso pode dar uma dorzinha no seu coração, especialmente se a sua história já estiver escrita, mas é muito importante fazer esse exercício de destilar o mais importante da sua ideia, de destilar o que vai instigar e interessar o viabilizador ou leitor.

Lembrando você pode sempre evocar ambientação, clima e atmosfera, usando algumas palavras específicas. Então, por exemplo, vou pegar aqui uma  outra log line famosa:

Um manso hobbit do Condado e oito companheiros partem em uma jornada para destruir o poderoso Um Anel e assim, salvar a Terra-média de Sauron, o Lorde das Trevas”.

Essa log line me diz muito sem precisar explicar: O que é um hobbit, o que é o Condado (que é uma palavra que por si e pelo contexto, já me evoca uma ideia de algo mais medieval e pacato), o que é a Terra-Média. Mas ao mesmo tempo, ele me fala com todas as palavras quem é o protagonista, que no caso é o manso hobbit do Condado (veja que não tem nem mesmo o nome dele) e os oito companheiros, e o que ele quer, que é destruir o Um Anel, que ainda vou saber ao longo da história o que é o Um Anel, mas você já sabe que tem a ver com o Sauron, então ele já traz toda a ideia sem precisar ficar explicando cada elemento.

 [Thiago Lee] E só o fato que ele colocou lá o “um manso hobbit”, você já caracterizou o hobbit.

 [Jana Bianchi] Exato!

[Thiago Lee] Você pensa, “Ah, deve ser alguém que tá ‘na dele’ lá, no Condado, que deve ser a cidade dele ou enfim, na vila dele, e aí tipo ‘do nada’ oito companheiros, então já dá uma dimensão que é um grupo e eles tem que sair para destruir esse poderoso Senhor do Escuro…”, enfim, ele já contou a jornada inteira em uma frase, sabe?

 [Jana Bianchi] É. Porque não precisa falar assim, “Ah, o hobbit gosta de viver numa toca e gosta de comer e fazem 38 refeições por dia…”, entendeu? Que é uma coisa que obviamente caracteriza seu personagem, mas isso você vai deixar para a história.

Na verdade, isso já puxa para a segunda dica, que no caso é “seja simples”.

Voltando para o episódio 49, nós falamos um pouco sobre isso, mas a questão é a que a sinopse, o log line, o resumo, enfim, não é o melhor espaço para você fazer brincadeirinhas, provocações ou grandes inovações. Isso vale tanto para os resumos que vão para o leitor final, quanto para os resumos que vão para os editores e produtores, mas isso é mais importante ainda no segundo caso, porque quando você está falando com editores e produtores, eles são profissionais e para essas pessoas é muito mais importante saber de uma vez qual a sua história, qual é o final da sua história, o que você está propondo apresentar ali, do que o cara ter que ler o seu resumo e ficar decifrando a trama no meio de um monte de gancho exagerado, recursos estilísticos malucos, gracinha pra cá ou gracinha pra lá.

Claro que esse conselho, assim como todos os outros que a gente dá aqui nesse episódio e em todos os outros episódios do Curta Ficção, tem que ser considerado com cautela, porque em alguns momentos a maneira e a linguagem com as quais você apresenta sua ideia, ajudam a reforçar essa ideia. Um exemplo é texto “Ciberbochicho”, que é o conto do Sérgio Mota que está na segunda edição da Mafagafo. Esse texto é um texto todo cômico e já na sinopse você vê isso. A sinopse é:

O cantor Franz Delegarza revolucionou a música tocando acústicos. Em meados século XXII, isso é alguma coisa. Mas bombou mais do que nunca quando foi flagrado ao desligar (para muitos, matar) uma inteligência artificial. O juiz do caso: outra inteligência artificial. Embora eficiente, é sindicalista pelos direitos cívicos das IAs, e a treta está plantada. O julgamento ainda acontece enquanto a polêmica sobre IAs serem consideradas vivas ou não está no Congresso, na boca do povo e nos trending topics. A polêmica do cantor gera reportagens especiais em programas sensacionalistas, hipertextões nas mídias sociais, discussões em chats de família e até shows stand-up de um comediante robô. O ciberbochicho vai dar muito pano pra manga.”

Então assim, ele usa “vai dar muito pano pra manga”, “a treta está plantada”, que são termos mais engraçadinhos que tem tudo a ver com o clima do conto. Mas, ao mesmo tempo ele explica a história, ou seja, você consegue entender e o que esperar ali. Então eu digo, de toda forma, “na duvida”, mantenha a simplicidade.

 [Thiago Lee] Sim, e é bom lembrar também que caso você esteja submetendo a sua história para uma editora ou uma revista, a sinopse vai poder ser retrabalhada, então não tem porque procurar uma linguagem muito exclusiva, mas se você está elaborando uma sinopse para um leitor final, aí você pensa em como você se sente quando a sinopse tenta forçar algo que não é, com muitas frases de efeito do tipo, “ele são sabia que a sua vida estava prestes a mudar” ou coisa parecida. Inclusive eu li até um tweet essa semana, acho que o Neil Gaiman retweetou de alguém, falando sobre quando “você não sabe como falar para um leitor sobre o que mais vai instigar essa pessoa, pense um pouco sobre o que te instiga mais nessa sua história”, porque não há como adivinhar o que as outras pessoas vão gostar, então tente pensar o que na sua história faz você ficar empolgado.

 [Jana Bianchi] Algo como, “se você não conhecesse a sua história, como você se interessaria por ela? ”, né?

[Thiago Lee] Isso. Então, talvez esse seja um bom ponto de partida para você começar a construir sua síntese.

Também às vezes, né, reforçando bastante esse “as vezes”, essas técnicas de “frases de efeito” até funcionam para livros mais infantis, mas em livros mais juvenis e adultos podem causar efeito contrário, dando a impressão que o autor subestima o leitor. Sem citar exemplos aqui, mas com certeza você lembra de alguma sinopse de livro que ficou parecendo aquela chamada fajuta de filme de Sessão da Tarde, que não à toa nós usamos em um contexto mais cômico, tipo, “a galerinha do mal vai embarcar em altas confusões”.

Portanto, uma boa dica para focar na simplicidade é pensar que a sinopse é quase que o seu currículo. Mesmo que a editora ou leitor (no caso, a empresa que recebe esse “currículo”) seja mais irreverente, existe um limite da informalidade que você usa no seu texto, lembrando também que a sinopse é o primeiro contato que o editor ou leitor com o seu texto e se você fizer direitinho, ainda poderá ter mais espaço para apresentar as peculiaridades da sua ideia.

O que nos leva a terceira dica que é “seja instigante”.

Essa dica pode parecer que vai no sentido oposto da dica anterior, mas se você fazer direitinho como eu falei, dá para cumprir as duas numa boa, que é o melhor dos dois mundos, porque com essa dica, a gente não quer dizer que você tem que suprimir informações do leitor, mas sim que a log line, a premissa ou a sinopse deve provocar algum tipo de curiosidade no leitor, mesmo que ele tenha todos os elementos em mãos. A mais óbvia e talvez mais garantida é a curiosidade de saber o que vai acontecer com o personagem, inclusive é importantíssimo que o resumo da sua história contenha o conflito e o que caracteriza o personagem, como já falamos antes.

Então lembrando aqui de log line filmes famosos, que a gente comentou, no caso de Matrix, você tem que ler aquela proposta e pensar, “Esse hacker vai conseguir vencer a guerra contra quem controla a verdadeira realidade?”, em Star Wars, por exemplo, você pensa, “Mas será que esse menino vai salvar a princesa e destruir o império?”, e no caso de Senhor dos Anéis, “Será que o hobbit vai conseguir destruir o Um Anel?”.

 [Jana Bianchi] Vale reforçar que esses três casos que nós mencionamos ao longo do episódio, mostram também como você pode instigar e levantar perguntas sem de fato usar as frases de efeito ou os ganchos vazios.

Então por exemplo aí, no caso do Matrix, alguém que não conheça nada do contexto da história certamente vai se perguntar, “Tá, mas quem é que domina a tal da verdadeira realidade? Qual é essa verdadeira realidade, afinal? ”, então o cara vai querer ver para entender isso. Mesma coisa em Star Wars, “Porque essa princesa tá em risco? De onde veio essa princesa? O que é esse império galáctico? Aliás, essa história se passa no espaço, por causa do galáctico, mas tem uma princesa? Como assim? ”. E no caso do Senhor dos Anéis, “ Que raios é um hobbit?! O que que é essa Terra-Média? O que que é esse Condado ?”, e assim por diante. Então assim, você cria com o uso de algumas palavras e algumas expressões, essa vontade de conhecer mais sem propor diretamente, tipo, “Olha estou aqui te apresentando um mistério para você ficar curioso”. É um equilíbrio complicado realmente, porque, como a gente já falou lá no episódio 8 e 9, sobre fundamentos da ficção curta, com o Santiago Santos, quanto menos palavras, quantos menos espaço você tem, mais assertivo você precisa ser e isso pode parecer fácil, mas na verdade é muito difícil. Além disso, nesses casos de textos menores, cada palavra conta, porque como falamos, vai ser uma palavra específica que vai trazer toda uma carga que você normalmente usaria uma sentença inteira para descrever, então por exemplo, voltou daqui para a log line em Star Wars, quando eu falo “o império ‘galáctico’ ”, eu automaticamente deixo de precisar de dizer algo do tipo, “uma história que se passa no espaço” ou “é um space opera que blá blá blá”. Eu usei só uma palavra e já taquei toda essa carga de que é uma história espacial.

Indo para quarta e última dica já, nós sugerimos que você “seja honesto”.

E aí, essa dica é meio que uma grande autoanálise que você deve fazer depois de tentar encaixa sua log line, sua premissa, seu pitch ou sua sinopse em todas essas outras dicas que a gente já falou. Com essa dica quer dizer que você precisa ser muito honesto com você mesmo e com o receptor do seu resumo, sobre o que você está resumindo. Então não adianta nada você manipular o seu resumo para ele ficar simples, objetivo, instigante e tudo mais o que nós falamos, se ele não representar de verdade a sua história. Inclusive, se você estiver aí fazendo seu resumo depois da escrita do texto, muitas vezes a dificuldade de conseguir um bom log line ou boa sinopse objetiva, pode sim significar que o conceito do seu texto, como um todo, não necessariamente funciona. O mesmo funciona para um texto que você ainda não escreveu, que está planejando e tal, com a diferença de que, nesse caso, se você encontra esses sintomas aí, “Putz, não consigo definir um log line legal, uma sinopse que seja objetiva e instigante”, logo esses sintomas podem ser usados justamente para diagnosticar problemas de trama ou alguns problemas de conceito que, como você ainda tá planejando sua história, você vai poder corrigir antes de escrever, que é, voltando lá para o comecinho do episódio, uma das grandes vantagens de você saber sintetizar bem uma ideia, pois se você faz isso antes de escrever, você consegue saber para onde rumar.

Não à toa, muitos estudiosos e muitos métodos de escrita sugerem que você comece o planejamento a partir de um pitch ou de uma premissa muito sólidos, que é o caso aí Lee deu, dos roteiros com escaleta, de você dividir em cinco parágrafos, é o caso do John Truby, que eu mencionei do livro The Anatomy of Story, e é caso do método do “floco de neve”, por exemplo. Inclusive esse livro e o livro Story, do Robert McKee, são coisas muito legais para você estudar mais afundo sobre escrita e vamos colocar os links de compra deles aqui no post do site.

 [Thiago Lee] Lembrando que toda vez que você fala de um desses resumos de ideias, você está falando de expectativa. Boa parte do sucesso de qualquer história está baseado na capacidade daquela história em atender ou superar a expectativa dos leitores. Nós já falamos algumas vezes e o Robert McKee fala muito isso em Story, que leitor ou espectador escolhe um livro ou um filme, ele está aceitando um pacto onde você promete entregar uma boa história em troca de horas de comprometimento e atenção. Se você, por acaso, propõe uma coisa e entrega outra, a frustração pode causar a ruína da sua história.

A dica aqui é meditar, deixar de lado toda a vontade de unicamente vender essa sua história e usar essa oportunidade ou para ajustar a história que você vai escrever ou para calibrar as próprias expectativas sobre a própria história que já terminou e agora tá colocando no mundo. Seja amigo das premissas, log lines e sinopses, que elas serão suas amigas também.

 [Jana Bianchi] Inclusive, eu lembrei agora enquanto estávamos gravando, de um caso de um livro da Darkside, o livro O Demonologista, que é um livro que eu li e gostei muito do livro, mas só vi o pessoal falando mal, falando mal, falando mal do livro, e aí eu fui ver e a galera (não tem nada a ver com a sinopse, mas o problema tem muito a ver com isso da expectativa ), a galera estava esperando um livro super de terror, tipo O Exorcista, afinal o livro se chama O Demonologista, porém o livro é drama, assim, claro que tem demônios, tem sobrenatural, o cara é mesmo um demonologia e tudo mais, só que o livro é muito mais um “dramão” do que um livro de “terrorzão”, uma coisa mais gore, enfim. Eu gostei muito do livro, é um livro muito bom, lançaram até a continuação, mas eu não li ainda, só que você vai no Goodreads e é muito engraçado, porque as avaliações são 5 ou 4 estrelas ou são 1 ou 2 estrelas, ninguém acha o livro mediano. Ou as pessoas gostam muito, como no meu caso, eu considero um livro muito bem escrito e uma história muito legal, ou as pessoas acham um lixo, porque elas pegaram o livro esperando um baita “terror do mal”, mas é um drama, então tem muita essa relação sobre expectativa.

 [Thiago Lee] Eu lembro do AJ, lá do podcast 12 Trabalhos do Escritor, falando daquele livro “A Cabana”, que parecia ser uma história de mistério, mas no final era uma propaganda de autoajuda.

[Jana Bianchi] [rindo] Nossa, aí é frustração total.

[Thiago Lee] Bem, com isso eu acho que chegamos ao final do episódio, né?

[Jana Bianchi] E aí? Atendemos as expectativas?

Brincadeira, mas nós queremos saber aí se você já teve dificuldade de sintetizar a ideia para a sua história, se alguma das nossas dicas ajudou em alguma coisa, se você tem algumas dicas também.

Como a gente sempre fala, comenta aí no site que daí outros ouvintes podem ler a sua pergunta, expandir a conversa e continuarmos conversando lá, mas se você quiser uma conversa mais pessoal, manda e-mail no contato@curtaficcao.com.br, onde você pode sempre sugerir pautas, inclusive essa pauta foi sugerida por várias pessoas após o episódio 49, em que reagimos a sinopses, você pode também deixar um tweet lá no @curtaficcao ou mandar um inbox na nossa página do facebook.

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