Transcrição referente ao episódio 067 do Curta Ficção, sobre “Começo, Meio e Fim”, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] Começa agora mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo. Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

[Paola Siviero] Eu sou a Paola Siviero.

[Thiago Lee] E hoje vamos falar sobre o começo, o meio e fim de uma história.

[Vinheta de abertura]

[Thiago Lee] Que escritor nunca se perguntou qual a parte mais importante de uma história? Será que um começo instigante é o suficiente para fazer o leitor devorar o livro em busca das respostas que você prometeu lá no primeiro capítulo? Ou é lá no meio da história que a gente precisa se esforçar para fazer as páginas praticamente virarem sozinhas? Também há aqueles livros com um final tão surpreendente e maravilhoso que ficam marcados para sempre na nossa memória.

 [Jana Bianchi] É claro que todas as partes são fundamentais para construir uma boa história e não dá para você deixar nenhuma delas mais ou menos ou negligenciar uma parte ou outra, porque um começo ruim vai com certeza afastar o interesse de qualquer editor e também possível leitor. Se o meio estiver arrastado demais, muito maçante, é possível que leitor abandone o livro pela metade. E, como todos nós sabemos, inclusive por fins recentes de séries (Game of Thrones), o dano que um final não satisfatório pode trazer para uma história maravilhosa, geralmente esse dano sendo “1 estrela nas avaliações” e “muita reclamação no twitter e nas redes sociais”, ou seja, muita repercussão negativa sobre a história, embora ela tendo sido boa no começo e no meio.

 [Paola Siviero] Pois é, o desafio de entregar uma boa história da primeira até a última página é muito grande e para te ajudar nessa missão, nós pensamos em falar das principais armadilhas de cada uma dessas partes e também propor um objetivo bem claro para cada uma delas.

 [Thiago Lee] Então vamos “começar pelo começo”, né? O objetivo do início da sua história deve ser fisgar o leitor e por “fisgar”, nós queremos dizer que o leitor tem ficar com aquela curiosidade irresistível e querer saber como aquele problema que você apresentou vai ser resolvido. É lógico que a forma de como você vai fazer isso depende muito do gênero em que você está escrevendo, o ritmo que você quer dar para sua narrativa, etc. Se for um romance, precisamos conhecer os personagens que vão se apaixonar e o que está no caminho para que eles possam ser felizes juntos. Se for um suspense policial, a gente quer ver do que o assassino é capaz e porque o caso é desafiador para aquele detetive em especial. Se for uma ficção científica que fala de uma nova tecnologia, precisamos sacar quais são os riscos e impactos que essa nova tecnologia traz.

Aliás, em ficção especulativa no geral, muitas vezes a ambientação ou a premissa acaba sendo parte do que fisga o leitor, o que traz um risco enorme e inerente e também uma armadilha que tem que ser evitada, o infodump, que é você colocar muita informação de uma vez na cara do leitor e é um pouco do famoso “show, don’t tell” (mostre, não conte). Por exemplo, se você tenta de cara explicar em detalhes como tudo funciona, é bem provável que esse início fique bem chato. Então tente fazer isso de uma forma mais fluída, que pareça mais fazer parte da história, do que uma aula em si.

Outro erro comum é dar pouca importância ao conflito interno dos personagens. Para que a gente torça pelo protagonista, precisamos entender como aquela situação desafia os seus valores, os seus medos. Um personagem arrogante, por exemplo, tendo que pedir ajuda ou uma personagem certinha tendo que fazer algo ilegal, etc. Você está criando conflitos internos com isso.

Então resumindo, nos primeiros capítulos, tente apresentar a personagem principal, mostrando brevemente como a vida dessa personagem está naquele momento e o conflito interno e externo que ela vai ter que enfrentar. Acho uma boa ideia também é você assistir filmes, porque como os filmes tem menos tempo para se contar uma história, é bom você ver como iniciar uma história, por exemplo, como eles tem pouco tempo, então a primeira cena já é uma cena impactante já jogando um gancho do que vai acontecer lá na frente. Ou seja, veja filmes que você goste, que tem uma história amarradinha, pois a primeira cena do filme pode ser um bom template de como fazer o primeiro capítulo da sua história. Obviamente que são modos de contar história diferentes, a literatura e o cinema, mas é uma boa dica para um exercício.

 [Jana Bianchi] Lembrando que já falamos bastante disso em um episódio aqui do Curta, não qual é o número, mas vamos deixar nos comentários, que nós comentamos alguns começos de vários livros, falamos de prólogo e tudo mais.

E aí eu lembrei de uma coisa também que no Wonderbook, que é um livro sobre escrita que a gente sempre fala, do Jeff Vandermeer, ele apresenta um conceito, que não é muito inovador mas gosto do jeito de como ele fala sobre isso, que é o “corte das cenas”. Ele diz que “onde você começa a narrar uma cena determinada? ”, então na sua cabeça você sabe que, por exemplo, o protagonista e personagem secundário vão tomar um café. Isso é uma cena, você já sabe, porque está na sua cabeça, no seu outline, enfim. Mas essa cena pode começar e terminar em muitos momentos, então essa cena pode começar com o personagem indo para o café ou com ele já sentado no café ou com ele chegando no café e encontrando o outro, e terminar de muitas formas também, terminar quando eles terminam de tomar café ou terminar com eles quando eles indo embora pegam o ônibus. Portanto, o corte de cada cena precisa ser pensado cena a cena, para que não exista “barriga”, um pedaço de história que não avança a trama, mas eu acho que no caso do começo, isso é mais importante ainda você pensar no corte da sua primeira cena. Às vezes você sabe que, sei lá, “a minha primeira cena vai começar com o personagem dando fim a um corpo dentro de um saco preto”, legal, é um começo instigante, mas onde você vai começar essa cena? Você vai começar essa cena em um super fluxo de pensamento do personagem, falando o que levou ele a cometer o crime? Não, você vai começar com ele já jogando o corpo dentro da água? Então eu acho interessante, porque daí nós precisamos pensar sempre nesse balanço entre dar um tempo para sua cena entrar em regime, dar um tempo para não parecer que de repente você começou a história do nada, tem que ter essa primeira introduçãozinha, como o Lee acabou de falar, conhecer o personagem, conhecer o conflito dele, mas você não pode demorar muito nessa primeira introdução para não dar aquela sensação ao leitor de “Tá, beleza, mas quando essa história vai começar realmente?”, é muito ruim ter essa sensação.

 [Thiago Lee] Antes da Paola tecer os comentários dela, isso o que a Jana falou eu senti muito na pele até com o Homem Vazio, que a primeira versão da história que eu tinha escrito, ela começava com (e não é spoiler, até porque é só o primeiro capítulo) o Otto no mesmo lugar que ele começa de fato no livro, mas ele mostrava o Otto andando pela rua de noite, olhando no celular, aí ele conhece a menina que vai ser a amiga dele mais para frente no livro e no final do capítulo, ele esbarrava com o duplo dele, que ele ficava “Caraca, quem é esse cara?!”, então isso acontecia só no final do capítulo, 10 páginas a frente. E então depois, aí acho que foi até o Rodrigo aqui do Curta Ficção, que leu e falou “Tá, mas por que você não põe logo esse encontro no começo? ”, aí eu concordei, porque faz muito sentido.

Então na primeira linha do livro, inclusive, já é mostrado ele olhando para o duplo, que é um cara exatamente igual a ele e ele fala “Espera aí, quem é esse cara que eu estou vendo?”. Ele se esbarra com o duplo, o cara some e ele fala “Não, será que eu estava delirando?”, enfim, e aí ele segue a vida dele, mas assim, a primeira coisa que acontece já é isso, já é a incursão no fantasioso e ele passa o resto do capítulo inteiro conflitado com essa situação que ele viveu, inclusive tem uma sacadas, como esse duplo que sabe o número de celular dele e começa a mandar mensagens, tipo “Tá vendo aquela menina lá daquele lado? Vai falar com ela”, e o Otto não sabe e fica “Espera aí, quem é que está enviando essas mensagens? ”, só que o leitor já suspeita porque ele sabe o que aconteceu lá no início e cria essa tensão já no primeiro capítulo ao invés de jogar o ponto principal lá para o final do capítulo, então tem tudo a ver com o que a Jana falou.

 [Paola Siviero] Eu acho que no geral, você começar com uma cena muito forte, se for possível para a sua história, é uma jogada mais certeira sim. Igual ao Lee falou, tem muitas formas de colocar um evento mais para frente ou bem no início e eu, particularmente, gosto bastante quando tem já um evento de bastante impacto já de cara. E outra coisa que eu pensei em comentar é o seguinte, o Lee falou do infodump, de dar informações de mais logo no início e eu acho que há um limiar, que vai variar de leitor para leitor, mas tem um limiar ali entre deixar o leitor um pouco confuso e acreditar que ele pode entender, juntar as peças e que ele vai sim continuar com você na história, mesmo que ele não entenda cem por cento logo de cara. No geral, eu acho que quem está começando tem uma tendência maior a explicar demais, a querer falar “Ah não, eu preciso explicar, senão a pessoa não vai entender que esses animais fazem isso, que essa tecnologia é assim”, então existe essa tendência e risco maior é que isso acabe ficando chato. Porque quando eu leio, por exemplo, os clássicos de ficção científica, eu acho que é muito comum você ficar umas 10 ou 15 páginas falando “Nossa, o que está acontecendo?!”, mas assim, você vai sendo tão  movido pelo conflito do personagem, que você vai absorvendo aqueles outros detalhes mais técnicos, até chegar a um momento que você entende o que está acontecendo, que eu acho que é parte do que nós vivemos no dia a dia: Você entra, está aquela confusão, você vai observando até que entende o que está acontecendo ali.

 [Jana Bianchi] Bom, aí passando para o “meio” da história, depois desse início bem feito, a gente precisa envolver o leitor durante todo o meio da história, então enquanto a palavra chave da primeira parte é fisgar, a palavra chave da segunda parte é “envolver”.

No geral, o meio é o mais difícil de escrever, pelo fato simples (ou não tão simples assim) de que é a parte maior e a mais complexa, mas calma, porque pode também ser a parte mais gostosa de ler e escrever e tem algumas técnicas aqui independente de como você escreve ou planeja a sua história. Então se você gosta de planejar a história com antecedência e você já tem ideia da linha de acontecimentos, uma dica legal é você fazer um resuminho da cena antes de começar a escrever, porque como eu até falei agora do corte das cenas, tem muitas maneiras diferentes de fazer alguma coisa acontecer ou a sua história avançar. Se você, por outro lado, é do tipo que vai criando a história conforme escreve, é legal você se perguntar sempre o que o leitor achar que vai acontecer em seguida e tentar surpreender, tentar quebrar essa expectativa.

É importante lembrar que no geral as histórias boas, as histórias que prendem mesmo a gente, elas têm uma sequência de fracassos do protagonista, mas que de alguma maneira vão fazendo a história e o personagem evoluir. Então se nós temos o “ponto A”, “ponto B”, “ponto C”, “ponto D” , “ponto E”  e o personagem quer chegar ao ponto E, partindo do A, uma história onde o personagem precisa chegar no B e ele vai lá só chega, precisa chegar no C e ele vai lá só chega, etc, sem nada acontecer no meio, não é uma história tão interessante. Agora o contrário, se você faz dificuldades, coloca fracassos, então ele precisa chegar no C, mas na verdade ele chega no Z, só que beleza, dali ele consegue chegar no D, é interessante. Porque são essas dificuldades que deixam a história interessante por fazer o leitor pensar “Nossa, e agora? Ele precisava chegar aqui e não chegou!”. É esse tipo de pergunta “Nossa, e agora? ” que vai fazer o seu leitor querer mais um capítulo, mais um, mais um e nessa ele vai ler o livro inteiro.

Uma das armadilhas do meio é ter cenas desnecessárias, então você faça aí o exercício quando você tiver seu manuscrito de pensar se tem alguma cena ali que você gosta muito, mas não tem importância para a história. Se esse for o caso (e spoiler, vai ser o caso com certeza, por mais que você planeje, você sempre vai acabar se alongando no momento de escrever e de repente ver que não é exatamente aquilo), corta aquela cena, guarda ela numa pastinha separada junto com cenas e trechos que você escreveu mas não vai usar no manuscrito final, e as vezes você pode achar um lugar para ela em outro lugar, de repente você pode juntar duas cenas, reorganizar duas cenas, no entanto, esse é um trabalho para a revisão, inclusive o meio da história, ou numa forma mais convencional, o “segundo ato”, que corresponde a metade do seu livro, provavelmente vai ser a parte que será mais editada profundamente.

Portanto, o legal é isso, enquanto você está escrevendo, faça esses resuminhos, se você for do tipo que planeja antes, ou então pense no que o seu leitor vai esperar e tente subverter, tente manter esse progresso de fracassos também e no momento de edição você tem que ver se ter alguma cena que está se alongando, se tem alguma cena ali só para dar alguma informação que na verdade você pode dar em um diálogo, que é um momento importante e interessante, inclusive se você precisar diminuir o tamanho do manuscrito (outro spoiler, provavelmente você vai precisar diminuir mesmo).

 [risos]

 [Thiago Lee] E eu acho que o que a Jana falou, tem a ver um pouco com o ritmo da narrativa que você tem que impor, acho até que lá para frente a gente pode fazer um episódio sobre o ritmo da narrativa inclusive, e aí você pode talvez fazer uma planilha, algo que você consiga listar os seus capítulos e você ver “Tá e o que acontece nesse capítulo? Quem são os personagens envolvidos? Eu tenho reviravolta suficientes, eu tenho coisas novas suficiente, personagens novos? Será que eu estou focando só em um personagem e outras personagens que também são importantes, eu estou explorando muito pouco? ”. Por isso eu acho que legal você fazer uma planilha de personagens, capítulos e acontecimentos e ver se você está espaçando bem as coisas ou você está condensando tudo em uma coisa só. Talvez um capítulo que aconteça muita coisa você possa dividir em dois, por exemplo.

Eu não quero colocar regras aqui nem nada, tanto é que agora, eu acho que um dos concorrentes do prêmio Hugo, um amigo nosso lá no twitter, o Renan Bernardo, eu não cheguei a ler o conto, mas ele fala que o conto dele quebra todas as regras que a gente fala de storytelling aqui e ainda sim foi indicado ao Hugo. Não lembro o nome aqui, mas eu vou colocar nos links e digo isso para dizer que assim, tem quebra de regra, mas com certeza quem o escreveu conhece todas as regras que a gente está falando para saber como quebrá-las.

Em termos gerais, eu acho legal você ter pontos, criar bandeiras no meio do seu livro dizendo “aqui vai acontecer algo muito importante com o personagem X”,  “aqui já vai ter uma reviravolta”, “aqui vai ter uma morte ou que vai ter alguma coisa aqui que faça o leitor ressurja e fique ‘Opa!’ ”.

Então depois você passa da parte inicial, de apresentar o personagem que apresentaram mundo, de apresentar conflito e o personagem já está em sua jornada ou ele já sabe o que tem que ser resolvido, enfim, as peças já estão na mesa e você tem que começar a manejá-las fala que você tem um meio bem sólido, então você tem que colocar como é um tabuleiro de xadrez, depois que você coloca as peças em seus devidos lugares, você tem que pensar em sua estratégia para você poder surpreender o inimigo ou preparar peças para que mais na frente, quando chegar a hora, você possa mover o ” bispo” para tal lugar, por exemplo. Ou seja, vá pensando as coisas que precisa colocar para quando chegar na finalização, você poder finalizar e surpreender o seu leitor, que não é seu inimigo, é só uma metáfora.

 [Jana Bianchi] O seu editor né, o que é importante.

[Paola Siviero] Uma coisa que eu acho interessante também é que normalmente a gente sabe ou tem uma ideia de como a gente quer terminar aquela história e aí tem uma ideia de cenas no meio ou grandes acontecimentos que vão desembocar nesse final. Portanto eu acho que é um exercício interessante para a gente fazer é se deixar um pouco mais livre no meio, porque às vezes você tem uma ideia de “Ah, vai acontecer isso, sofrer esse tipo de acidente, ele vai perder tal coisa” e na hora que você está escrevendo no meio, parece que já não está tão interessante. Para isso, tem duas técnicas que eu quero citar e acho que uma delas foi o Dan Brown que comentou no masterclass que é assim: Não tenha medo de colocar o seu personagem em uma situação que você não sabe ainda como você vai resolver. Se permita se colocar em uma situação muito difícil, como “Nossa, o cara tá aqui trancado, com concorrentes e sem a chave! Como vou fazer ele sair? ”. E aí você vai precisar de alguns dias, depois, para resolver este problema de como ele vai sair, só que é exatamente esse tipo de situação mais complexa que vai prender o leitor e fazer ele pensar ” Ai meu Deus, como ele vai sair?! Não imagino como, ferrou! “. Este tipo de complicação, que é o que vai te desafiar, também vai desafiar o leitor, porque se tiver óbvio para você, do tipo ” Ah eu vou deixar uma chave escondida ali, depois do personagem vai arrastá-la com o pezinho “, então o seu leitor também vai saber que isso é o que vai acontecer.

Uma técnica que eles citam muito no Writing Excuses, que eu acho muito legal e agora eu percebo muito esse padrão em livros ou filmes, é como construir os fracassos. Então por exemplo, se o seu personagem precisa de pegar uma determinada arma, aí você tem duas chances de fazer ele fracassar: Uma que ele vai conseguir e outra que ele não vai conseguir. Então, se ele conseguir, você usa o “yes,but” (sim, mas). Por exemplo, ele conseguiu pegar a arma, mas ela está quebrada, então não vai servir de nada.

 [Jana Bianchi] Ou alguém do time dele morre por isso.

[Paola Siviero] Exatamente. Ele consegue, mas ocorre um problema talvez ainda maior.

Ou você pode usar o ” no and” (não e). Então ele não conseguiu a arma e quando ele estava tentando fazer isso, ainda por cima perdeu uma outra peça que ele precisava. Então, tipo, ferrou ainda mais ainda a situação dele . Quando você vai reparando em filmes, o que eu tenho feito muito, você observa que geralmente o personagem não vai conseguir e ainda vai dar mais merda ou sim, mas ele criou um outro problema a partir disso. Então acho que é uma forma também de você ir pensando em como você pode construir os esses fracassos, para que depois do sucesso ou não do seu personagem lá no final, fique ainda com esse sentimento de que lutou realmente por aquilo.

 [Jana Bianchi] É interessante até para quem assistiu Vingadores: Ultimato, tentar encontrar este padrão que é um padrão muito claro, do tipo, “eles tem essa pequena missão aqui e aí às vezes eles conseguem, mas aí acontece um problema, às vezes eles não conseguem e ainda dá um outro problema” e assim eles vão escalando até o objetivo que todos começamos o filme sabendo qual é, o que é bem legal.

 [Thiago Lee] E também inclusive, acho que spoiler de Vingadores: Guerra Infinita já pode né, porque já faz um ano, a Paula falou aí sobre colocar os seus personagens em situações impossíveis de se resolver, que nem você sabe ainda como, e o grande exemplo disso é o próprio Vingadores: Guerra Infinita, o filme, mesmo sendo a metade de uma história maior, acaba com uma situação impossível de se sair. Um deus, porque as joias do infinito tem poder de um deus , matou metade do mundo, não tem o que fazer mais, acabou e depois as joias já não existem mais, enfim, não tem como sair dessa situação e ainda assim ainda tem um filme inteiro para você saber como eles vão sair dessa situação. Eu lembro que você do Guerra infinita assim “Caraca, e agora?!”, e o pior que assim, no fundo do seu âmago você sabe que de algum jeito eles vão sair dessa situação, mas você ainda se pergunta ” Como? Eu não consigo imaginar uma forma fisicamente possível disso acontecer “.

[Jana Bianchi] É, tanto é que as pessoas criaram mil teorias, enquanto o Vingadores: Ultimato  não chegava

 [Thiago Lee] Inclusive tem muitas histórias aí em que protagonista morre no meio da história e você fica “Caraca, ele morreu! E agora?”. O próprio Game of Thrones, né. Assim, spoiler primeira temporada, a subversão do tropo da fantasia, o protagonista morre no final da primeira temporada, no primeiro livro. E todo mundo que eu conheço que viu a série e que não curtis esse tipo de série de fantasia, terminou primeira temporada falando ” Agora preciso ver o resto!”.

[Vinheta do quadro de indicação de livros]

[Jana Bianchi] Bom, e aí a gente foi muito relapso aqui com o nosso quadro de indicações de livros, a gente esqueceu por dois episódios, mas agora nós vamos voltar sempre fazendo, confiem em nós. A gente vai indicar mais um livro, hoje a indicação é minha e ela do livro “Coração de Aço” do Brandon Sanderson. Falamos aqui do Writing Excuses, ele é um hosts desse podcast, que inclusive inspirou curta ficção, e a edição brasileira do Coração de Aço saiu pela editora Aleph, de quem nós somos parceiros esse ano, então vocês vão escutar a gente falando de outros livros novos deles até o final do ano, e esse livro ainda conta com a tradução da nossa queridíssima Isa Prospero, que além de ser uma amiga nossa e escritora, ouvinte e apoiadora do curta ficção.

Então, sobre “Coração de Aço”, bem… as opiniões sobre o Brandon Sanderson são bem polêmicas, mas diga o que você quiser dizer desse autor, ele sabe como estruturar uma história. Os livros dele, pelo menos para mim, que estou lendo, que estou me envolvendo bastante com isso de estrutura, eles são quase que uns estudos de caso de como fazer uma trama fundamentada nessa estrutura mais clássica da história em 3 atos e tudo mais. Isso ao mesmo tempo que é uma coisa super interessante, é uma das coisas que faz muita gente achar as obras dele mais rasas, menos literárias e às vezes até previsíveis, embora quanto a este ponto eu não concorde.

Mas enfim, “Coração de Aço” é uma história sobre os Èpicos, que são pessoas que receberam que receberão poder mágico, um poder de super-herói, que princípio você não sabe muito bem de que maneira, é como se fosse um cometa que passou, alguma coisa na inesperada que aconteceu e deu poder para pessoas aleatórias, um pouco parecido com a premissa de “Wild Cards” do George R. R. Martin, e o que acontece é que, sem exceção, a princípio, todos esses Épicos que receberam esse poder se tornam ou vilões ou anti-heróis, de tanto que esse poder é inebriante. Então ao invés de eles serem pessoas que vão tornar o mundo um lugar melhor, eles começam a tentar oprimir e comandar o mundo do jeito deles.

 Eu escolhi esse livro porque, falando aí das três partes da história, ele começa com um ótimo prólogo no formato de flashback, que apresenta para nós em uma cena o funcionamento dos Épicos, então estamos entrando neste mundo que a gente não sabe o que são os Épicos e é em primeira pessoa (o livro inteiro em primeira pessoa, aliás), pois o personagem explica mais ou menos o que são os Épicos e também é mostrado qual é o conflito interno do personagem. Então nessa cena, o personagem é criança ainda, o livro já se passa quando ele é adolescente, mas nessa primeira cena ele ainda criança, e o poder do personagem Coração de Aço é ser invencível, então nada afeta ele, ele não se machuca, ele não sangra, nem nada. Mas começa com uma cena de quando, no começo do surgimento dos Épicos, o Coração de Aço entra em um banco que está sendo assaltado por um outro Épico e o pai desse nosso protagonista tenta impedir o outro Épico de machucar o Coração de Aço, mas sem querer ele dispara uma arma, a bala pega de raspão no Coração de Aço e ele sangra. Daí, o Coração de Aço fica furioso, mata todo mundo que estava lá no banco, mas o nosso protagonista consegue escapar, se tornando o único sobrevivente porque ele consegue se esconder e o Coração de Aço não percebe que ele presenciou tudo aquilo, por isso conflito interno do personagem é o seguinte, ” O meu pai foi morto pelo Coração de Aço e ele acreditava que os Épicos eram super-heróis, logo ele confiava nos Épicos, mas ele foi morto, eu quero Vingança e eu sei que o Coração de Aço tem alguma fraqueza, então preciso descobrir qual é“.

Como podemos observar, nós temos neste começo a introdução sobre os Épicos e o conflito interno muito claro, tudo em um prólogo bem curtinho. No meio, a gente tem um monte de coisa acontecendo, é bem ágil, bem interessante, com várias cenas de ação bem elaboradas, tem estes momentos de “yes, but” e “no and“, várias perdas, várias baixas para o grupo de protagonistas e neste meio também os protagonistas são aprofundados até um ponto no qual a gente se importa bastante com eles. Aí, por fim, o final da história tem algumas reviravoltas bem interessantes e a conclusão da trama de um jeito surpreendente.

 [Paola Siviero] Então já vou aproveitar e vou pegar esse gancho para falar o objetivo da parte final, que é exatamente surpreender. E a gente não está querendo dizer que você precisa colocar um plot twist louco que ninguém estava esperando e deixar todo mundo de boca aberta no final, apesar de eu gostar bastante de um plot twist bem feito. Porém, mesmo com desfechos esperados, do tipo um casal ficar junto no final de um romance, dá para surpreender os leitores com a forma. Em um suspense, você precisa obviamente de que o leitor desconfia de outra pessoa e depois dar uma resposta que faça sentido no final. Em uma fantasia épica, você pode fazer o personagem estar em uma situação que ele aparentemente ele não consegue resolver, tipo vencer uma luta sem uma determinada arma e aí trazer uma solução mais criativa do que você já veio preparando ali ao longo da história. Portanto, é importante deixar pistas não muito óbvias para que esse desfecho faça sentido e uma técnica legal é iniciar com personagem tentando conseguir algo e fazer com que ele perceba, ao longo “da jornada” que ele vai percorrer no livro, que na verdade não era aquilo que ele precisa. Eu vejo muitas histórias com essa técnica e eu acho que é uma forma de dar finais mais comoventes, nos fazer refletir sobre situações sociais, enfim, eu acho que é uma forma criativa de dar um final mais surpreendente.

E um erro comum, em relação ao final, é deixar pontas soltas ou perguntas sem resposta ou personagens que não tiveram seus arcos fechados. Então, por exemplo, se algum personagem secundário falou que tem algum problema e vocês expôs isso para o leitor, tipo, ele tem um problema no relacionamento dele, logo o ideal é que no final a gente possa ver como que esse problema desse personagem secundário terminou. E outra coisa que pode acontecer principalmente quando a gente publica de forma independente é ter um final um pouco mais corrido, porque acaba sendo a parte que nós escrevemos e revisamos menos vezes. A gente escreve 10 começos diferentes, daí muda de ideia no meio do caminho e volta para revisar o início, se tem uma cena que não faz sentido no meio, volta e reescreve, e acaba que no final estamos tão exaustos do processo como um todo e estamos com final um pouco mais redondinho na cabeça porque já revisamos, já reescrevemos, já repensamos várias vezes o meio, daí a gente escreve esse final sem dar a devida atenção e sem se perguntar de quais outras formas nós poderíamos ter escrito aquilo ou será que não existia um final mais interessante, mas você sente que mudar de ideia no final do livro e algo que dá muito mais trabalho, porque você vai ter que revisar e modificar o livro inteiro, por isso eu vejo acontecendo  essa questão de ter um final que parece um pouco corrido.

 [Thiago Lee] Isso acontece principalmente se você tem também um limite de páginas ou de tamanho, no meu caso, por exemplo, não foi nem questão de páginas, mas deadline, porque se você tem um deadline normalmente você começa a escrever e reescrever do início para o fim, então no início você está com mais gás, mas quando você está reescrevendo fim, aquilo já está tão maçante na sua cabeça, que você acaba naturalmente tendo menos criatividade para poder reescrever o fim. Portanto, uma boa ideia, se você vai fazer duas restritas por exemplo, é você começar uma reescrita pelo começo e a segunda reescrita, pelo último ato do seu livro e às vezes você também tem um limite de palavras, daí você quer cortar coisas, então você pode cortar a partir desse final. É bom sempre ficar tendo noção das suas limitações e das limitações da forma como você está escrevendo para que não tenha esse final corrido.

Outro ponto, que inclusive aconteceu comigo na primeira versão do meu romance, o meu editor me falou e realmente fazia muito sentido, daí eu tentei melhorar, é que eu meio que fiz uma lista de todos os personagens, eu esquematizava o arco deles, como eles começavam, por quais conflitos eles passavam e como eles resolviam esse conflito, e isso desde os primários, secundários, terciários. Daí os primários, como eram os principais, eles já tinham um arco muito bem definido e fechado, os secundários alguns sim, outros estava meio nebuloso de como irá terminar e os terciários, eu quase não tinha definido nada. Então no final, tipo nos seis ou sete últimos capítulos, eu meio que ia fazendo inserções de personagens secundários e terciários só para fechar o arco deles e dizer “olha esse cara que existe, ele falou isso no começo e agora ele conseguiu o que ele queria” ou então ” esse cara que do começo apareceu e entregou esse objeto para o protagonista para ele poder continuar com a história dele“. Com isso, meu editor falou que essa estratégia de certa forma era boa, por que isso dava uma conclusão para os personagens, não deixava nenhuma ponta solta, mais ao mesmo tempo parecia que ficava bem na cara que eu estava fazendo um check list, “terminar a historia do personagem tal, check. Terminar desse outro personagem, check”, então ficava só pingando personagens na cenas e ficava na cara que eu só fiz isso para poder fechar os arcos, não estava de um jeito orgânico, daí ele me sugeriu diferentes formas de deixar isso mas orgânico.

 [Jana Bianchi] E aí uma atenção de nós termos, é seguinte, é a de que fazer com que o final seja concluído por ações e por consequências lógicas do que a gente construiu ao longo da história inteira, caso contrário, se a solução da história é uma coisa que acontece por um acaso, por um golpe de sorte ou qualquer coisa do gênero, é o que chamamos, o famoso, deus ex machina, que nada mais é quando fica claro que algo externo a história, algo que não depende das ações dos personagens e não depende do encaminhamento da história, resolve a trama. Então a gente brinca, mas um exemplo do deus ex machina supremo e tipo, “Ah, eu preciso ganhar essa guerra, então der repente cai um meteoro encima do meu exercito inimigo e pronto, eu ganhei a guerra e nem estamos falando da probabilidade disso acontecer ou não. Às vezes existem deus ex machina que são prováveis de acontecer, mas na nossa história, nós somos os mestres da história, então não podemos nos contentar em fechar uma história com algo que seja um acaso, então é bem importante pensar nisso, é importante que você tenha construído ao longo da história um caminho e uma evolução do personagem até que ele, de preferência, o protagonista, ainda que ele receba ajuda de outros personagens, faça esse conjunto de ações finais que vai terminar a história. Por exemplo, embora o Harry Potter seja um protagonista muito passivo, a gente sabe disso, no final das contas, quem duela com o Voldemort é o Harry, não poderia acontecer do Voldemort estar no meio de uma missão, daí cai um prédio na cabeça, ele morre, e a história acaba sem o Harry precisar derrotar o Voldemort. Inclusive se você está escrevendo uma história e se você não planejou antes ou planejou sem ter o fim em mente, daí chega no final da sua história e vê que a solução que você tem ali é muito no acaso ou o seu personagem não tem ainda as habilidades necessárias para conseguir o que ele precisa, isso é uma séria indicação de que você precisa rever a sua história, porque não adianta só adequar o final para conseguir atender o meio da sua história, se o inverso não acontece, é sempre a história que deve atender aquele final em que você pensou, ou seja, não é final que serve a trama, é a trama que serve ao final.

 [Paola Siviero] Eu não sei aonde que eu li sobre isso, não sei se vocês vão saber, mas uma vez eu estava estudando e tem uma técnica de você ir abrindo as perguntas sobre a trama e, tipo, a primeira pergunta que você abre é a última que você vai fechar, sabe?

[Jana Bianchi] Eu acho que foi no Writing Excuses também.

[Paola Siviero] Ah, deve ter sido então.

É um jeito que eu acho legal e mais orgânico de ir dando as respostas e criando tensão, por exemplo, “Ah, você começou com a sua história, tipo, o personagem foi para o mundo X, abriu-se um portal ele foi para o mundo X, mas ele quer voltar”. Esse problema é o último que você vai resolver, vai ser o final da sua história e aí no meio do caminho, você tem um segundo problema, tipo, “Ah, mas ele precisava encontrar uma certa pessoa antes disso”, enfim, você vai fechando na ordem contrária da de que você abriu e isso é uma forma orgânica de dar um final, porque se você tem um personagem secundário que apresenta um problema, alguns capítulos na frente você já pode fechar esse problema, você não precisa esperar até o final. Também uma forma que vai construindo tensão, porque você não vai só abrindo perguntas, você vai fechando depois, mas as primeiras que você abriu e foram as que realmente fisgaram o seu leitor, serão as últimas que você vai responder, fazendo a história vou ir até lá.

 [Thiago Lee] Eu acho também que tem um pouco de expectativa de como vai ser o final de acordo com o gênero que você tá escrevendo, com a Paola falou mais cedo, se você tá escrevendo um suspense, um terror, um romance policial, algo do tipo, é muito natural você  soltar um plot twist no final, de que o culpado ou assassino, ou monstro, seja lá qual for o seu antagonista, ele seja alguém que a pessoa e o leitor não estavam esperando, tipo, “Ah, eu acho que matou ou ocupado é fulano, mas no final é o mordomo“, então saiba que quebrar um pouco dessa expectativa para surpreender e também para você sair um pouco do óbvio. Às vezes, por exemplo, o assassino não é uma pessoa, às vezes, não tem assassino, enfim, a Agatha Christie costuma fazer isso o tempo inteiro, inclusive tem até um livro dela onde o assassino é o próprio narrador, outro onde o assassino são todos os suspeitos, ou seja, ela brincava muito com tudo isso, tanto é que os livros mais queridos dela são esses onde ela mais surpreende, mas quebra a expectativa do leitor.

Bom, acho que com isso nós chegamos ao fim do episódio então, vocês têm mais alguma coisa para falar?

 [Paola Siviero] Não. Fechamos todos os arcos, respondemos todas as respostas.

 [risos]

 [Jana Bianchi] [risos] Comenta aí se ficou algum arco aberto também.

 [Thiago Lee] [risos] Não sei se a gente surpreendeu no fim, né?

 [Paola Siviero] [risos] Fala um plot twist aí, Jana.

 [Jana Bianchi] [risos] Plot twist, esse episódio foi um sonho.

 [Paola Siviero] [risos] Nós estávamos falando do além, né. Na verdade, estamos todos mortos.

[risos]

[Jana Bianchi] [risos] Nossa, que horror.

 [Thiago Lee] Então, conta pra gente aí na caixa comentários ou nos posts das redes sociais as técnicas que você usa para escrever cada uma das partes e quais delas mais você tem mais dificuldade, quais você tem mais facilidade.

 [Jana Bianchi] Lembrando mais uma vez que, se você curte o nosso conteúdo, existem três jeitos de apoiar a gente. O primeiro é recomendado o Curta Ficção mandando o episódio no WhatsApp, compartilhando nas redes sociais ou falando para os seus amigos seguirem e ouvirem a gente, o outro é avaliando podcast no seus agregadores de podcast, nós estamos em todos eles, inclusive no Spotify, ou apoiando nosso financiamento coletivo no Catarse ( https://www.catarse.me/curtaficcao ) ou no PicPay ( picpay.me/curtaficcao ).

Nós vamos deixar todos links do que falamos na descrição do episódio.

[Thiago Lee] Esse foi mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo.

Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

 [Paola Siviero] Eu sou a Paola Siviero.

 [Thiago Lee] Até a próxima.

 [Vinheta de encerramento]