[TRANSCRIÇÃO] CF 006 – Cliffhangers – O que são, onde vivem, como se alimentam

Transcrição referente ao episódio 006 do Curta Ficção, sobre “Cliffhangers – O que são, onde vivem, como se alimentam”, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] Começa agora mais um Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo. Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

[Rodrigo Assis Mesquita] Eu sou o Rodrigo Assis Mesquita.

[Thiago Lee] E hoje nós três vamos falar sobre cliffhangers, que são os ganchos de narrativa.

[Vinheta]

[Thiago Lee] Jana, por que escolhemos esse tema?

[Jana Bianchi] Bom, escolhemos esse tema depois de lançar lá no Clube de Autores de Fantasia um post onde a gente pedia sugestões de temas e o Paulo Vinicius, que é o dono e quem mantém o site Ficções Humanas, deu esta ótima sugestão de falar sobre “cliffhangers” como uma criatura que tem vida própria, né. “Onde vivem? O que são? Do que se alimentam?”.

[Thiago Lee] Então nosso muito obrigado ao Paulo do Ficções Humanas e vamos colocar o link do blog dele aqui no post.

Hoje nós vamos falar sobre cliffhangers que são os ganchos da narrativa, são aquelas coisas que fazem você querer passar para a próxima página e não querer parar de ler.

E até o final do episódio, vamos comentar três técnicas infalíveis para construir um bom cliffhanger.

Jana, defina cliffhanger ou gancho.

[Jana Bianchi] Tá bom, então uma definição bem didática aqui, é quando a gente expõe o personagem a uma situação limite, pode ser um dilema, um confronto ou uma coisa física mesmo, e ele é usado justamente para que você queira saber, estando nessa situação limite, qual foi o desfecho daquele problema, ou seja, é levar o seu personagem até a beira do precipício e aí suspender a narrativa exatamente nesse ponto, para que haja um intervalo até você contar o que vai acontecer com esse personagem na trama.

[Thiago Lee] Acontece muito em séries de TV, porque eles param bem no momento chave e você fica “meu Deus, eu quero ver o próximo episódio”.

[Jana Bianchi] Além do lance de você querer saber o que acontece, por uma curiosidade natural do ser humano, existe também um outro efeito no cliffhanger que é muito interessante para séries e para capítulos de livros, ou seja, pedaços de um enredo, que é o seguinte: existe um efeito, que eu provavelmente não vou saber pronunciar, vamos até colocar o link do que é, mas é o efeito Zeigarnik. Ela, a psicóloga Bluma Zeigarnik, disse que o cérebro tem um recurso cognitivo para lembrar de coisas inacabadas. Então esse efeito é uma sensação de urgência para fazer com que você queira terminar aquela tarefa, por isso que quando você não termina uma coisa e vai dormir, você fica com aquela pulga atrás da orelha.

Além disso, esse recurso cognitivo que é para te forçar as coisas que você começou, ele ajuda as pessoas a lembrarem melhor do que aconteceu quando um intervalo é uma parte inacabada de um enredo, por exemplo. Então assim, além da vantagem de querer fazer as pessoas irem para o próximo capítulo para realmente saber o que aconteceu, há também a vantagem de quando você acaba, por exemplo, uma temporada de uma série num momento inacabado, quando a série retorna, a pessoa meio que automaticamente relembra o que aconteceu.

[Thiago Lee] Ele atinge diretamente o psicológico do leitor ou do espectador.

[Rodrigo Assis Mesquita] Tem uma história famosa, não sei se é do Mozart ou do Beethoven, que ele não conseguia dormir até terminar uma sequência de notas lá, porque ele ficava pensando. Daí, às vezes ele tinha voltar e terminar a sequência para poder fechar o piano e ir dormir.

[Thiago Lee] Inclusive acabei de lembrar uma dica para quem está escrevendo, para forçar um cliffhanger em si próprio, seria, sei lá, terminar um capítulo ou uma cena e antes de você terminar sua escrita do dia, você começar os primeiros parágrafos da próxima cena ou capítulo e parar por aí, porque você vai parar no momento em que as coisas estão mudando, então você vai estar com a mente aquecida e da próxima vez que você voltar no outro dia para continuar escrevendo, você já vai ter começado a pensar no que você vai escrever. Se você termina de escrever num ponto de “fechou, beleza acabou aqui” e não tem nenhum gancho para a continuação, você meio que se acomoda e você não pensa no que vem a seguir. Mas se você parar no momento de virada, inconscientemente você vai tentar pensar nos próximos pontos da narrativa.

[Jana Bianchi] E assim, comigo funciona pelo menos, realmente por mais que isso me deixa um pouco agoniada, eu odeio não terminar um negócio, justamente pelo efeito Zeigarnik, então eu não consigo parar uma coisa sem terminar. Mas de fato às vezes até me sinto, não sei se isso não faz parte do efeito ou não, mas eu me sinto mais empolgada, tipo assim “Nossa, eu quero logo sentar para escrever a próxima parte!”,

[Rodrigo Assis Mesquita] Até porque sua mente, quando você cria o seu ganchinho que vai continuar na próxima parte da história, você já está criando a continuação na cabeça e se você para sem nem anotar nenhuma direção para si mesmo, a tendência é que você chegue lá no dia seguinte ou daqui a dois dias e se perguntar “O que eu estava pensando?”.

[Jana Bianchi] A gente esquece, é verdade.

Já aconteceu de eu colocar uma palavra aleatória e depois eu chegar para escrever ficar “Nossa, que porcaria é essa palavra? O que é isso?”.

[Rodrigo Assis Mesquita] Parece até que foi outra pessoa que escreveu, né?

[Jana Bianchi rindo] Sim, isso mesmo.

[Thiago Lee] Bom, o cliffhanger se originou quando as histórias começaram a passar para o formato de folhetim de jornal, então eram histórias seriadas. Dizem que o primeiro autor a usar esse recurso consistentemente foi o Thomas Hardy no texto Um par de olhos azuis (A Pair of Blue Eyes) na Tinsley’s Magazine, que foi publicado em série entre setembro de 1872 e julho de 1873. Nele, os protagonistas iam para a beira do precipício no final de uma das partes, acho que é por isso que surgiu o nome, porque cliffhanger significa algo como “se segurando à beira do precipício”.

[Rodrigo Assis Mesquita] Depois isso acabou se popularizando na mídia audiovisual nos anos 30 e 40, com os filminhos seriados que passavam nos cinemas americanos. O Hitchcock acabou até brincando um pouco com um filme chamado Intriga Internacional, que no final do filme o protagonista fica literalmente segurando com as pontas dos dedos no abismo, faz um baita suspense e no fim é meio brochante o desenrolar, porque não explica como ele sai do abismo e termina o filme.

[Thiago Lee] Como já exemplificou aqui, o cliffhanger pode existir no fim de um capítulo, por exemplo, no fim de um episódio, no fim de uma cena ou até mesmo no fim de um livro, principalmente se o livro tiver continuação e as vezes até tem quando tem continuação, porque o autor quer realmente deixar esse questionamento na cabeça do leitor e ele termina em um cliffhanger e para. É bom ele fazer isso conscientemente, porque se você fizer isso sem tomar cuidado, você pode acabar, como Rodrigo falou aqui, acabar deixando seu livro broxante, porque o final é aquilo que o pessoal mais lembra de um livro, então um final ruim pode acabar com toda a experiência de leitura.

[Jana Bianchi] Inclusive, tem muita gente que eu vejo, que o juízo que a pessoa faz na resenha, na opinião do livro, é muito baseada no fim. Então às vezes é um livro bosta com um fim muito bom, que a pessoa acha legal, mas se não tivesse um fim muito bom iria achar péssimo ou vice-versa também, um livro que estava indo muito bem ou uma série e aí termina zoado. Mas uma outra coisa relacionada a isso que é interessante, é que muitas vezes o cliffhanger ele é suficiente para segurar o leitor até o final e aí ele pode ter ou não esse final bom, por mais que ele não esteja curtindo muito o desenvolvimento, que foi, por exemplo, o que aconteceu naquela série The OA, muita gente falou isso, mas eu não conseguia parar assistir, eu precisava saber o que iria acontecer no final. Mas claro que a experiência geral vai ser boa ou ruim de acordo com o fim também, porém é uma maneira de você manter a tensão até o final.

[Rodrigo Assis Mesquita] Eu acho que um gancho bom é aquele que é pensado conscientemente pelo criador. Acho que às vezes o criador ou autor confunde um gancho com um a obra inacabada. 

[Jana Bianchi] Ou uma coisa jogada, né?

[Rodrigo Assis Mesquita] Sim.

[Jana Bianchi] Por exemplo, uma informação ao léu que não é um gancho, é tipo só uma informação aí. Às vezes isso acontece inconscientemente, por exemplo, teve coisa que eu já escrevi que a pessoa falou assim, “Ah, e aquela coisa e aquele livro que o personagem abriu”, e eu respondi “É só um livro que o personagem abriu”. Ou seja, ela perguntou porque ficou parecendo que iria ter alguma coisa a mais. Então assim, isso é um cliffhanger não desejado, uma coisa, em geral, ruim.

[Rodrigo Assis Mesquita] Mas daí tem gente que “lê” qualquer coisa em qualquer coisa que você põe. 

[Jana Bianchi] Mas aí é o que acaba esbarrando naquela “Arma de Chekhov”. Então assim, é interessante ter essa consciência. 

[Rodrigo Assis Mesquita] Sim, porque no caso, o gancho não é simplesmente omitir informações ou cortar uma história no meio. É você criar questionamentos que trazem respostas e que trazem outros questionamentos.

Eu acho uma crítica do The OA, que a gente até conversou antes aqui, é que ele tem um gancho um atrás do outro ao longo dos episódios, mas no fim ele não responde quase nada e deixa mais gancho, daí a sensação final é que parece que esqueceram de terminar a história.

Por exemplo, no Mad Max sempre, tirando o primeiro, porque não me lembro bem, mas no Mad Max 2, no 3 e no último, eles sempre começam no final de uma aventura que o Max está e no último ele até estava na beira de um precipício, então ele é capturado por um pessoal e usa até uma máscara tipo Hannibal. Então você começa uma história junto com o Max, atordoado igual a ele. Isso é um recurso narrativo até bem recomendado para qualquer tipo de história, é mais uma opção, mas dá certo de começar o mais avançado possível da narrativa. Tem até a expressão em latim para isso, o in medias res, que significa “no meio das coisas”.

[Jana Bianchi] O cliffhanger tem uma coisa que ajuda a torná-lo mais impactante, que é o seguinte: quando você joga um cliffhanger, você quebra aquele texto ou aquela série em um episódio, no livro seria um capítulo, e você não responde imediatamente o gancho, o chamado pay off, é importante responder, mas não precisa ser imediatamente, então você deixou um espaço de tempo ali rolando, por exemplo, um outro ponto de vista, uma outra parte da narrativa, depois volta para responder. 

Um exemplo muito claro disso, que ficou gravado na minha cabeça pra todo o sempre, porque me marcou muito, acho que foi o melhor cliffhanger que eu me lembro de ter lido, que é no Game of Thrones: A Clash of Kings, onde tem um daqueles capítulos de pontos de vista da Arya que ela fala o seguinte, que no final está lá em posse do Cão de Caça e eles estão fugindo do Casamento Vermelho, não lembro exatamente muito bem, mas que eu vou ler aqui:

E Arya correu. Agora já não pelo irmão, nem mesmo pela mãe, mas por si mesma. Correu mais depressa do que jamais correra, de cabeça baixa e com os pés fazendo o rio espumar, fugiu dele como Mycah devia ter fugido.

E o machado atingiu-a na nuca.”

E “FIM”. Aí você não sabe que raios de parte do machado que pegou na cabeça e a cena inteira está no ponto de vista da Arya né. Então é ela está, falando, escutando e tudo mais, mas a última cena é passivo. “O machado atingiu-a na nuca”, não fala se ela viu tudo preto, se ela sentiu dor, se ela caiu. Mostra a cena como se tivesse afastado dela e aí você não sabe se ela está viva. Quando eu li, eu falei assim, “Nem ferrando que ele matou essa menina”.

Eu fiquei tão transtornada que, eu não costumo fazer isso, eu detesto spoiler, detesto ler o final do livro, mas eu peguei o livro e folhei até achar o próximo ponto de vista da Arya, que por sinal, é essa parte na página 710 da minha edição e outro ponto de vista da Arya é só na página 833, então por mais de 100 páginas depois eu pulei para daí ver que ela acordou. 

Porque é legal esse cliffhanger, ele deixa uma coisa inesperada e no ar somado a característica do George Martin, que no A Clash of Kings a gente já sabe, que ele é muito louco e ele vai matar mesmo, quem tiver que morrer vai morrer. Então, esse é um exemplo genial de gancho, por mais que fosse de quase 200 páginas depois, eu não consegui parar de ler, eu li todas as páginas, obviamente, só para descobrir o que aconteceu com ela.

[Thiago Lee rindo] Sabe o que seria legal? Se não tivesse mais ponto de vista da Arya nesse livro.

[Jana Bianchi rindo] Nossa Senhora, eu ia morrer.

[Thiago Lee rindo] Imagina, o plot twist então é que o leitor morre.

[Todos riem]

[Vinheta do Quadro de indicação de livros]

[Thiago Lee] Então temos duas sugestões de livro essa semana, é isso produção?

[Rodrigo Assis Mesquita] Na verdade, a minha sugestão é um conto que só tem inglês, no site da Apex Magazine, mas ele é de graça, é só clicar no link, chamado The Dark Birds, da Ursula Vernon, para traduzir como “Os Pássaros Negros”, e o começo dele é uma sentença fantástica que te faz querer ler o conto para saber o que quer dizer. Eu traduzi aqui:

Minha mãe teve filhas ano após ano e, uma a uma, meu pai nos devorou.”

(Original: “My mother had daughters year after year, and one by one, my father devoured us.”)

[Jana Bianchi] Olha, que começo matador.

[Rodrigo Assis Mesquita] Sério, esse é um dos melhores inícios de história que eu já vi na vida.

[Thiago Lee] Poderia até ser um daqueles microcontos.

[Jana Bianchi] É verdade.

[Rodrigo Assis Mesquita] É, pode ser sim.

E a história bem interessante, na minha opinião, mas não foi páreo para o início.

[Jana Bianchi] E eu vou indicar um livro do Stephen King que se chama Sob a Redoma, teve a série Under the Dome, que na verdade assim, ele não tem nenhum cliffhanger memorável específico, mas é um grande cliffhanger, porque uma das características, eu não sei se chegamos a apontar exatamente isso, mas uma das características do cliffhanger é que ele gera uma urgência na história. Seria como um relógio ticando ali atrás, porque em geral é uma coisa que se acontecer vai ser irreversível e vai ser muito grave para a história.

O legal desse livro é que é uma cidadezinha minúscula dos Estados Unidos, que ela, de repente, de um dia para o outro é coberta do nada por uma redoma. No princípio, já gera uma certa urgência porque as pessoas mais antenadas não sabem quanto tempo isso vai durar, então tem que estocar comida e tem que guardar água porque uma hora vai acabar. Portanto, o livro inteiro é um cliffhanger, é um dos que eu mais gosto porque eu lembro que eu li e, assim, eu não conseguia parar mesmo de ler, eu li igual aqueles de ficar o dia inteiro lendo e lendo enquanto eu estou comendo, justamente porque é um cliffhanger eterno.

É muito legal, recomendo para quem gosta desse tipo de livro que se agarra não consegue mais largar.

[Thiago Lee] Stephen King é um mestre em fazer este tipo de narrativa.

[Jana Bianchi] É, eu acho que em geral ele tem essa característica.

[Rodrigo Assis Mesquita] Ele só tem o problema as vezes de fazer o fim, né?

[Jana Bianchi] Sim, é verdade, às veze rola um pay off meio esquisito.

[Rodrigo Assis Mesquita] Aliás, só aproveitando “o gancho”, o Stephen King fala naquele livro dele, Sobre a Escrita, que na opinião dele o ideal é que cada frase deveria ser um gancho para a frase seguinte, cada final de parágrafo deve ser um gancho para o parágrafo seguinte e assim sucessivamente até o final do livro.

[Jana Bianchi rindo] Falando assim, parece “simplesmente”, né? Acho que foi o Neruda que falou: “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias”.

[Thiago Lee rindo] Bem fácil, né?

[Vinheta de retorno ao programa principal]

[Thiago Lee] Bom, a gente já falou de onde vivem os cliffhangers e agora vamos falar do que eles se alimentam. 

Tem vários tipos de cliffhangers, inclusive aqueles que se tornam o principal fator de suspense de uma série ou de um livro, como o Sob a Redoma do Stephen King, mas o mais importante é que você saiba o que você está fazendo para que quando você criar o cliffhanger, você crie um pay off, uma recompensa, que consiga atingir as expectativas. Se você faz um gancho muito muito bom e muito instigante e a próxima cena seja algo meio qualquer coisa, a pessoa vai “broxar” e não vai querer continuar lendo. Sabe, tem que ser algo que esteja na mesma proporção a cada pequeno cliffhanger no texto e como no geral também na obra.

[Jana Bianchi] É que na verdade, se você não coloca um cliffhanger, às vezes é melhor do que você colocar um cliffhanger  bosta, porque aí a pessoa não fica só “miada”, às dá raiva mesmo. Se você tem um cliffhanger que não tem um pay off, pelo efeito Zeigarnik, você fica com isso na cabeça e que tira atenção das outras coisas da história, você fica até tentando fazer umas teorias da conspiração, tipo, “será que isso é importante?” e no final, tipo, não é, daí dá raiva, entendeu? Então eu acho que é uma coisa que deve ser utilizada com parcimônia né.

[Thiago Lee] Sim. Tem dois exemplos bem icônicos disso aí que eu vou falar agora, que é assim: Qual o formato de um bom cliffhanger? Então você primeiro levanta uma questão, como “apareceu esse vilão aqui. o que será que ele vai fazer ?”, daí você desenvolve e o cliffhanger bom é você responder a questão e levantar uma segunda questão.

Um exemplo para mim que fica claro o que é um mal cliffhanger foi no The Walking Dead. The Walking Dead é uma série que é uma sucessão de más escolhas e que agora na temporada recente agora introduziram Negan, que é o vilão mor da série, e qual foi a questão levantada durante a temporada inteira? Eles falavam, “Olha, o Negan é um cara que você não mexe com ele” e quando ele finalmente aparece, no último episódio da temporada lá, ele fala “Vou matar alguém” e aí ele levantou essa questão, ele vai matar alguém e então ele fica vinte minutos, quase meio episódio lá falando besteira e falando e falando falando, aí na hora que ele faz o “úni dúni tê” ele escolhe “Vou matar você!” e não mostra para o telespectador quem é que ele vai matar e daí ele começa a bater na pessoa e acaba a temporada. 

Você não sabe quem foi, ou seja, ele levantou a questão que é “quem será que ele vai matar”, só que ele não responde essa questão, quem ele matou, e aí você ficar um ano inteiro remoendo isso, mas depois vem aquele problema, se a pessoa que ele matou de fato fosse alguém que não tem tanta importância ou isso não tem um impacto na história, aí você acabou de perder todos os seus espectadores, como de fato foi o que aconteceu com essa temporada da nova.

Aparentemente ela não teve tanta audiência, inclusive eu confesso aqui que eu assisti o primeiro episódio para ver quem foi que tinha morrido e depois parei de assistir. O que esse cliffhanger fez foi fazer nós quereremos saber quem morria, mas como ele não levantou uma segunda questão, por exemplo, ele poderia ter mostrado quem morre e então ter feito alguma coisa tipo, “ E agora? Como será que o Rick que vai se vingar?”, então sem levantar outra possibilidade, ele simplesmente não nos deu uma resposta satisfatória e isso me deixou puto da vida. 

Outro exemplo, que eu acho que o Rodrigo deve saber melhor que eu, é o do Lost.

[Rodrigo Assis Mesquita] É, então, o Lost foi uma série inteira calcada em ganchos. No começo eles eram ganchos bons, porque cada episódio ia trazendo uma coisa interessante nova, respondia uma parte dessas coisas interessantes, deixava uma pergunta e retomava no episódio seguinte.

Mas quando eles viram o super sucesso que ia fazer a série e deixou de ser uma temporada única para ser uma coisa indefinida, lá na primeira temporada ainda, a partir do décimo segundo ou décimo terceiro episódio, que até mudaram na pós-produção algumas frases depois, a série se tornou uma constante promessa de gancho com elementos novos, personagens novos, situações novas, algumas coisas bizarras e nunca respondendo, nunca sendo retomado. Aí levantou tanta questão ao longo dos anos, que eu diria que das quinhentas coisas que levantaram, eles esconderam umas três e no final foi um dos piores finais que eu já vi na minha vida, que aliás é um dos piores finais que pode existir qualquer mídia de história que o famoso “estávamos todos mortos”. É do mesmo nível de “foi tudo um sonho” ou então “sou maluco”.

[Todos riem]

[Rodrigo Assis Mesquita] Essas três soluções de história não são cliffhangers, são idiotices.

[Thiago Lee] Inclusive, acabei de lembrar um aqui que a gente não tinha anotado mais eu lembrei, que é icónico para mim também, o seriado Dexter que quando eu comecei a assistir, era para mim era o suprassumo da televisão dramática, é muito bom, muito bem escrito e muito bem dirigido, com diálogos fantásticos, a quarta temporada foi a melhor de todos, inclusive para mim até hoje é uma das melhores temporadas de seriado da TV.

Só que ela aumentou a expectativa tanto, mas tanto, o final dela principalmente, que eu não sei o que aconteceu com a produção da série, parece que o diretor saiu, eu não tenho muita certeza, porque quando pulou para a 5ª temporada, a qualidade diminuiu de uma forma dramática. De ser uma coisa que acabou a quarta temporada, eu comprei camiseta, comprei caneca eu revi todo, mas quando chegou na quinta temporada, fiquei muito triste.

[Rodrigo Assis Mesquita] Um bom cliffhanger que eu lembro, que todo mundo acha que a melhor coisa do Império Contra-Ataca foi a revelação “mexicanesca” do “eu sou seu pai”, mas na verdade o filme, além de ser bem dentro do contexto da história realista com o desenrolar do império e massacrando a rebelião, inclusive todo mundo que ajuda a rebelião, ele deixa todo mundo numa situação tão horrível no final, que o Luke perde a mão, o Han Solo é preso naquele bloco de gelo gigante e o filme termina.

Esse é um bom exemplo de gancho, porque teve um arco no filme, o pessoal cresceu, foram apresentados personagens novos, inclusive é quando o Yoda aparece, e eles tiveram que enfrentar as dificuldades, mas eles perdem no final. Então qual é o gancho que eles deixam? O que eles vão fazer agora, como eles vão resgatar Han Solo, agora o Luke perdeu a mão e fica esquisito porque descobriu que a Leia é irmã dele.

[Thiago Lee] Bom, avançando aqui nos conceitos do cliffhanger, a gente vê que ele tem uma relação bem grande com outro elemento da narrativa, outra da técnica que é o plot twist.

Muitas vezes, um cliffhanger é um plot twist, uma virada de narrativa. Então muitas vezes o gancho acontece durante uma virada de narrativa, uma mudança inesperada que é a parte importante que faz ela virar um cliffhanger. Uma boa maneira de você criar um bom plot twist é você pensar num final óbvio que você naturalmente iria para esse final, depois você volta no enredo e faz algo que impeça que esse final se realize.

[Jana Bianchi] Por exemplo, o mocinho vai ficar com a mocinha e você acha que eles vão terminar, então você vai lá e mata a mocinha.

[Rodrigo Assis Mesquita] O Pulp Fiction é uma série de cliffhangers que vão acontecendo ao longo do filme que é um mais absurdo que o outro, contra os personagens e você não consegue parar de ver até ver onde vai parar aquela maluquice toda.

E tudo faz sentido dentro da história, isso que é o mais importante.

[Thiago Lee] Bom, eu acho que falamos bastante aqui e foi bem produtivo. Tem bastante ideia aí para quem quiser escrever, para quem está escrevendo e a próxima coisa que você lê, você começa a identificar essas técnicas.

[Jana Bianchi] Ô Lee, vamos fazer os jabás e aí a gente dá as três técnicas infalíveis de como construir um cliffhanger.

[Thiago Lee] Ah é, estava até esquecendo das técnicas.

[Jabás]

[Vinheta de encerramento]

[Thiago Lee] Muito bem, valeu gente… Ah sim! As três técnica infalíveis que eu tinha prometido, né?

Bom, a primeira delas…

[Silêncio]

[Jana Bianchi] Eita! Lee, você caiu?

[Rodrigo Assis Mesquita] É, parece que o Lee caiu.

Caraca, espera aí, deixa eu ver aqui.

Ele mandou uma mensagem aqui… Vish…

[Efeitos sonoros de suspense]

[Silêncio]

[Jana Bianchi] Alô? Rodrigo? Alô?! ALÔ?! Gente?!

[Voz da Jana abafada]

[Silêncio]