Transcrição referente ao episódio 059 do Curta Ficção, sobre “Como escolher o que escrever”, que pode ser acessado clicando neste link.
Transcrição por Ton Borges
[Thiago Lee] Começa agora mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo. Eu sou o Thiago Lee.
[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.
[Paola Siviero] Eu sou a Paola Siviero.
[Thiago Lee] E hoje vamos falar sobre como escolher o que escrever.
[Vinheta de abertura]
[Thiago Lee] Feliz ano novo, gente, ÊÊÊÊÊ!
[Todos comemorando]
[Thiago Lee] Efeitos de fogos de artifício aí no fundo… ou não, para não espantar os cachorrinhos, né, coitados.
[Jana Bianchi] É verdade.
[Thiago Lee] Bem-vindos de volta a programação normal do Curta Ficção, que marca também as novas temporadas do Pavio Curto e do Entre Ficções. O ano começou há alguns dias e como todos sabem, o começo de ano é por excelência um ótimo momento para começar novos projetos. Quem já ouviu alguém falar alguma coisa aí, há um minutinho atrás, já deve ter percebido, nós aproveitamos esse clima de renovação para começar a escrever coisas do zero ou em alguns casos, para se aventurar pela escrita, por isso escolhemos esse tema para o primeiro episódio de 2019 do Curta Ficção.
[Jana Bianchi] Mas, antes de mais nada, antes de começar o episódio, como vocês obviamente já perceberam pela apresentação, a gente tem uma novidade! Porque nós do Curta também quisemos começar com novidades. Então mais uma vez o casting fixo do nosso programa tem três membros! E a pessoa que vai sentar aí na cadeira número 3, que pertencia ao Rodrigo Assis Mesquita (mas ainda queremos traze-lo como convidado para alguns programas, porque estamos com saudades dele), é alguém que vocês já conhecem do episódio #047.
Então Paola, fala oi para as visitas, quer dizer, para os ouvintes! Se apresenta de novo, para quem ainda não te conhece.
[Paola Siviero] Oi pessoal! Então, pois é, eu fiquei feliz de mais com esse convite da Jana e do Lee, obrigada. É uma honra fazer parte do Curta Ficção e está até parecendo aquelas histórias de fã maluca, sabe? Que fica perseguindo os ídolos até conseguir ficar bem amiga deles.
[Jana Bianchi rindo] Tipo Misery HAHAHAHAHHA!
[Paola Siviero] Mas brincadeiras a parte, nós somos amigos há alguns anos e sempre fui ouvinte do Curta, adoro o trabalho da Jana e do Lee, e espero que eu consiga agregar alguma coisa aí nesse programa lindo.
[Thiago Lee] Então vamos lá.
A gente listou aqui três grandes coisas que você deve ponderar antes de você escolher qual vai ser seu projeto literário e vamos falar também um pouco sobre nossas experiências, que são bem variadas, ainda mais com um membro novo no grupo.
E a primeira coisa que você precisa considerar é: Qual o seu objetivo com a escrita? Nós colocamos esse tópico primeiro, porque ele deve orientar as outras duas análises que a gente vai propor aqui nesse episódio.
A maneira de como você encara a escrita na sua vida deve pautar suas decisões relacionadas ao tópico. Por exemplo, seu intuito principal em escrever é se divertir? Então a recomendação mais honesta que nós podemos dar é escrever o que mais te empolga no momento ou que empolga as pessoas de seu público específico, como amigos e etc, sendo que provavelmente vai ser a mesma coisa, se o seu gosto está alinhado quando seus amigos, do seu grupo social. Mas totalmente sem juízo de valores, sem juízo de qualidade ou qualquer coisa do gênero, essa é a ponderação que faz as pessoas escreverem fanfics. Geralmente as pessoas que escrevem fanfic são aquelas que estão loucas por bandas, por desenhos, por filmes, enfim.
[Jana Bianchi rindo] Os ships específicos que não aconteceram no canon.
[Thiago Lee] Inclusive até gera umas coisas bizarras que você olha para o lado e fica assim: “Eu estou lendo realmente isso?!“.
[Jana Bianchi rindo] Faustão e Selena Gomes, estamos olhando para vocês.
[Thiago Lee] E você deve ter visto vários casos de autores e profissionais já publicados que escrevem ou publicam fanfic por hobby nos tempos livros. Porém fanfics não podem ser o projeto principal de um autor que pretende publicar, porque obviamente a fanfic não é um livro publicável por questões de direitos autorais, embora seja o que mais diverte o autor no momento e às vezes é até usada como recurso para resolver problemas em um projeto principal. Inclusive, algumas fanfics acabam se tornando primeiras versões de livros, claro, retiradas as menções que tem direitos autorais.
Por outro lado, se você quer trabalhar com escrita ou publicar por uma grande editora, então provavelmente você vai ter que priorizar algumas coisas e eventualmente você vai ter que adicionar na sua equação mais coisas além do que “o que eu quero escrever no momento”, sendo justamente isso que a Paola vai falar lá no terceiro ponto.
[Jana Bianchi] Sim, eu acho que, só fazendo um comentário rápido, uma das coisas importantes de reforçar nesse tópico é que tudo bem escrever porque você gosta, porque você quer se divertir, porque você quer contar uma história para os seus amigos, inclusive a maioria dos escritores que acabam depois sendo publicadas por editoras, começam assim. Mas o que nós já falamos aqui no Curta Ficção e acho importante falar de novo, é que você tem que calibrar a expectativa, se você quer escrever sobre qualquer tema porque você quer escrever uma história maluca, tipo, “de uma fada vive sei lá onde” então passa pela sua cabeça “Ah, mas ninguém nunca leria isso“, mas se você quer que só seus amigos leiam, ou só sua família leia ou você quer escrever porque é aquilo que você quer escrever, então tudo bem, nós temos que ter essa calibração.
[Paola Siviero] Fazendo um “contraponto” sobre esse “ponto”, ao mesmo tempo que você vai escrever alguma coisa só para se divertir ou para mostrar para seus amigos, eu acho que muita gente não tem muito claro no momento qual era o objetivo real daquilo que a gente estava escrevendo. Então, eu acho que muitos dos ouvintes que talvez queiram viver de literatura e tal, e às vezes você acha que todo livro que você está escrevendo é o livro da sua vida, que vai estourar de vender, mas mais para frente você vai ver que “não, aqui eu estava realmente treinando“, “Estava experimentando“, “escrevendo algo que queria, mas que necessariamente não iria vender muito“.
E tudo bem também, não tem problema você ter esse objetivo e depois ver, mais para frente, que ele te serviu para melhorar a escrita ou para explorar alguma coisa, mas que não vai ser uma obra comercial.
[Jana Bianchi] Sim, com certeza.
Eu acho importante bater de novo nessa tecla do tudo bem, entendeu, porque eu acho que às vezes a gente fala “Ah, mas você tem que fazer isso“, ” você precisa estudar escrita“, ” você precisa contratar um profissional para revisar o seu texto“, mas isso é pensando em um objetivo de publicação profissional e não precisa necessariamente ser o seu objetivo final. Não é legal quando você tem essa pressão em cima de você, a menos que você de fato sonhe com isso e tenha esse objetivo, daí nesse caso você vai precisar de fazer um compromisso, um sacrifício. Não que você vai escrever coisa que você não gosta, acho que a gente até vai falar mais a fundo sobre isso depois, mas às vezes você vai, de repente, ter que começar de um jeito que não é o começo que você pensou incialmente, porque aquele é um jeito que vai chamar atenção considerando que você é um autor novo e que as pessoas vão pegar o seu livro na livraria ou na Amazon e vão ler as primeiras páginas ainda.
Sabe quando a gente fala assim, “Ah, esse livro do Stephen King faz tudo que a gente fala para não fazer, mas ele é o Stephen King“? Não significa necessariamente uma coisa ruim, que as pessoas não suportam ler, mas as pessoas abrem o livro com concessões por ser Stephen King, então temos sempre que pensar que nós não somos o novo Stephen King… ainda, né, pelo menos ainda.
[Thiago Lee] Só fechando esse ponto então, eu lembrei de uma coisa que eu li ontem, nós falamos sobre fanfic aqui e eu li o seguinte: “A Divina Comédia nada mais é do que uma fanfic da Bíblia”. Então quem sabe você não acaba escrevendo uma fanfic que acaba se tornando com sucesso.
[Jana Bianchi] É como Rei Leão que é uma fanfic de Hamlet, então existem precedentes. Não vamos entrar nesse ponto muito afundo, mas assim, nós sempre dizemos aqui as histórias têm estruturas que são replicadas o tempo todo e tudo bem. Por exemplo, um dos casos mais famosos atuais, o Cinquenta Tons de Cinza é originalmente uma fanfic de Crepúsculo, que depois a autora modificou, trocou os personagens e tudo mais. Daí, claro, se você sabe disso, você consegue identificar as relações com a obra original, mas ao mesmo tempo, são duas histórias que seguem em um frame parecido, mas não são plágio nem nada, nem tem essa acusação. As pessoas muitas vezes acusam e tal, mas aí já é outra questão relacionada, uma questão até meio moralista sobre a arte, é que ela não pode dar dinheiro e enfim, que é outro assunto.
Bom, então a segunda coisa, indo para o segundo tópico aqui, que você precisa analisar, em si, são duas coisas. A primeira coisa é: Você está preparado para escrever essa obra que você tem em mente? O número dois que é uma coisa bem relacionada: A sua rotina e seu momento de vida favorecem que você escreve esse projeto?
Então assim, eu acho sinceramente que em última instância qualquer escritor pode escrever qualquer coisa em determinado momento. Porém, alguns tipos de obras vão existir mais preparo, mais estudo, mais investimento de tempo mesmo, se você vai escrever uma coisa que, por exemplo, exige muita pesquisa, então provavelmente você vai demorar mais tempo para escrever o livro, talvez você tenha que pesquisar para depois escrever, então vai demandar mais tempo.
Logo, se você está começando exercitar a escrita agora, será que dedicar todo seu tempo de escrita livre para escrever uma série de três livros de 500 páginas cada um é a melhor escolha? E é a melhor escolha em vários sentidos, porque, primeiro, você tem a bagagem necessária para escrever a melhor série de 1500 páginas possível? Será que se George Martin tivesse escrito como primeiro livro o Game of Thrones, seria uma história tão grandiosa e tão amarrada quanto ela é? Então assim, será que é melhor você dedicar parte do seu tempo a escrever contos, noveletas, enfim, para ir experimentando várias formas e conteúdo, também para construir um repertório de publicação, para as pessoas saberem quem é você, para você fazer um network, e inclusive para você começar a receber seus primeiros feedbacks? Embora tenha feito aqui perguntas, a resposta é SIM, eu acho que sim, é muito melhor você começar com coisas menores e independente de qual é o seu objetivo, não tem problema seu objetivo se escrever uma saga de três livros, mas é legal ponderar se você está pronto, se você realmente consegue assumir esses compromissos.
E uma coisa importante aí para você considerar, quando você assumir um projeto desse como o seu projeto principal, é justamente os projetos paralelos você está tocando, né.
[Paola Siviero rindo] Ih Jana, mas aí se for os projetos paralelos que você está tocando, você não vai poder escrever nada.
[risadas]
[Jana Bianchi] Brincadeiras a parte, as vezes você tem deadline ou por exemplo, se você quer escrever um conto a cada três meses, para participar de uma antologia, você ter estabelecido aí essa meta, então você vai ter uma deadline pessoal. Então se você falar que vai escrever um livro de 1500 páginas, ou você vai demorar muitos anos, ou até muito mais, ou você vai ter que sacrificar essas deadlines e esses projetos paralelos.
Vamos lá, se você está interessado em produzir contos ao longo do ano, para um projeto principal, uma boa ideia pode ser um livro exija menos pesquisa ou que está na sua zona de conforto, que provavelmente vai ser o mesmo caso.
Então você pode dividir tanto seu tempo quando seu esforço entre projetos diferentes e ao mesmo tempo que você se prepara para projetos mais complexos. De vez em quando a gente escuta alguns autores aí falando “Ah, estou escrevendo tal livro, vou publicar tal livro, tal conto, mas eu tenho em mente aquele projeto maior, que exige mais pesquisa“, porque às vezes é de um gênero que a pessoa não costuma escrever e que naturalmente existem mais pesquisa como, por exemplo, uma ficção histórica, alguma coisa assim.
Claro que cada caso é um caso, mas na dúvida comece simples. Nunca escreveu? Pega uma ideia que você acha que cabe num conto, numa ficção relâmpago e começa para essa ideia, entendeu? Às vezes é uma boa ideia que está dentro do seu universo, que foi o que aconteceu no meu caso com o Lobo de Rua, que é dentro do universo do romance que eu estou escrevendo agora sobre a Galeria Creta. Se você já escreve algum tempo e quer começar um romance, escolha uma ideia que vai gerar um romance com um volume único ou um pouco menor, mais simples, e aí você vai progredindo.
[Paola Siviero] Jana, até no que você comentou aí sobre os contos, essa questão de participar de antologias eu acho que é uma boa opção para ver o seu nível de preparação, para conseguir feedbacks e até em certo sentido, te ajuda a escrever e escolher a próxima coisa que você vai escrever, porque normalmente existe um tema no edital, tem várias editoras aí como a Draco, que sempre está aí lançando editais para submissão de contos para antologias deles e é legal porque aí você pega às vezes um tema, por exemplo vampiros, talvez fosse uma coisa que você normalmente não escreveria, então você vai se desafiar a escrever algo que está dentro daquele tema. E às vezes seu conto é aceito ou quando é rejeitado, você recebe um feedback do porque ele foi rejeitado. Logo, eu acho que é um jeito de você ter uma consciência maior sobre o nível na sua preparação como escritor.
[Thiago Lee] Lembrando também quando você quer muito focado escrever um livro, mas você escreve um conto que você tem um feedback sobre ele e às vezes você não quer publicar o conto mais ou até depois de você publicar, você pode expandir essa história para um livro, às vezes. Eu acho que é muito melhor você partir de algo pequeno e ir expandido, o que parte de algo grande e ir tentando podar até caber em algo menor.
Lembrando uma vez que eu tinha escrito um conto de ficção científica, um conto até que bem curtinho, e aí não tinha publicado ele, só tinha deixado ele na gaveta no Google Drive, mas surgiu uma chance na Draco de submeter ele num roteiro de quadrinhos e eu nunca tinha feito um roteiro de quadrinhos na vida. Então peguei a história desse conto, porque o tema era pertinente, e tentei fazer um roteiro de quadrinhos e tal, trabalhei durante um tempo nele, dei uma pequena expandida na história, porque era um conto bem pequeno, quase uma flash fiction, só que eu acabei não passando na submissão do roteiro, mas achei tão legal ideia, que eu meio que expandi um pouco mais o conto e mandei depois para a Trasgo. É o conto Cibersolitude, que está na Trasgo #15 ( https://trasgo.com.br/cibersolitude/ ).
Então era uma história que era um conto curtinho, virou um roteiro e depois de um conto maior, que eu consegui mandar para submissão e ainda não usei várias das coisas que eu coloquei no roteiro, porque iria aumentar demais ele, mas que já pensei “Putz, isso aqui dá um livro, hein“.
[Jana Bianchi] E inclusive que eu apoio, porque eu gosto de mais dessa história.
[Thiago Lee rindo] Até hoje eu não escrevi, mas tipo, eu tenho uma ideia lá.
[Jana Bianchi] Eu tive uma experiência bem parecida com isso, fora a experiência do Lobo de Rua, que eu acho que já contei aqui em outros momentos, então não vou me alongar, mas basicamente Lobo de Rua nasceu como uma “amostra” do universo de um romance que eu estava escrevendo um romance na época e hoje é o universo no qual eu estou escrevendo e tudo mais. Eu tive uma experiência recente em que eu escrevi um conto em inglês para a Foreshadow YA, que é uma revista, inclusive vou deixar o link aqui, porque é um projeto muito legal ( https://foreshadowya.com/ ), acho até que já falei dela aqui. Então, eu escrevi um conto dentro do universo da Galeria Creta, com a personagem do meu romance, e mandei para a Foreshadow. O conto acabou ficando na última rodada de avaliações e aí, por conta disso, eu tive a oportunidade de receber feebacks bem completos de vários leitores e pessoas que estavam selecionando os contos. Foi bem estimulante, porque eles me retornaram com vários elogios, falando que gostariam de ler outras coisas minhas, eu fiquei bem feliz, mas eles retornaram com alguns feedbacks que eu estou usando diretamente nesse momento no meu romance novo. Ajudou em algumas questões que me incomodavam sem eu entender, mas sabe quando alguém te aponta no texto e fala, “É isso aqui que não é o ideal”? Então é por isso que falo que a melhor coisa que me aconteceu foi não ter passado, porque eu peguei esses feedbacks e agora vou ter a oportunidade retrabalhar para que aquela história, que é meu projeto principal, seja a melhor possível.
Na maioria das vezes que eu fiz esse tipo de coisa, foi não intencionalmente, então, por exemplo, eu escrevi Lobo de Rua sem intenção de publicar e acabou dando certo, eu escrevi esse com intenção de publicar e o fato de ter sido rejeitado, está me ajudando no romance principal, etc.
Portanto, a gente está aqui falando que você faça isso de maneira intencional, entendeu? Comece pequeno, busque feedbacks, esses retornos e enquanto isso, acalente seu projeto principal, porque ele sempre tem a possibilidade de ficar melhor, de ter mais elementos e de você mudar coisas que de repente você estaria, sei lá, queimando ideias.
[Paola Siviero] E a última coisa que a gente acha importante analisar, caso você tenha a intenção de publicar por uma editora ou alcançar um pouco menos restrito, é justamente o que o mercado deseja. Assim, primeiro a gente não está falando de jeito nenhum que para trabalhar com a escrita que você tem que escrever o que você não gosta, a gente está mencionando nesse ponto mais com intuito fazer você refletir sobre as ideias que você já tem em mãos, mas do que surgir do nada como ideia aleatória só para atender o mercado, mas sem julgamento porque isso também é um caminho.
O ponto aqui é que é legal você estar inteirado do que o mercado quer, para você poder entrar nele e, por exemplo, às vezes você está com três projeto em mente e um deles se aproxima mais do que os editores e os leitores estão procurando no momento por causa de uma determinada tendência. Ou em outros casos, você pode adaptar um desses projetos para ter mais chances.
Então alguns pontos mais práticos, por exemplo, no geral tem um teto desejado de número de palavras quando se trata de um autor no início de carreira, logo diminuir o número de plots secundários pode facilitar se você tiver uma ideia que pode acabar virando um livro enorme. Além disso as editoras estão sempre buscando ideias que tragam originalidade de alguma forma, mas que sejam escritas de uma forma bem estruturada. Então, pode ser que você tenha uma premissa ou uma ideia de plot, mas conversando com alguém do mercado, você descobre que essa ideia poderia ser mais interessante para um público mais jovem do que você havia pensado originalmente, ou ainda se tivesse um elemento que outras histórias do mesmo gênero não têm.
Cintando um exemplo que gosto bastante, a fantasia medieval voltou aí a evidência com Game of Thrones, mas é um nicho que já foi bem explorado, tem muita coisa no mercado e muita gente escrevendo, no entanto uma história medieval com uma visão mais diversa ou com universos com inspiração que não são europeus, ainda tem espaço que eu acho que aconteceu, por exemplo, com a Ordem Vermelha do Felipe Castilho.
E um último disclaimer que a gente acha importante também, é que apesar de ser importante olhar as tendências do mercado, a gente tem que tomar um pouco de cuidado com as modas, porque elas mudam muito rápido e de toda forma fazer só uma cópia desleixada de uma obra que você gosta muito ou de uma obra que está fazendo muito sucesso, não significa que você é necessariamente que você vai ter sucesso também.
[Jana Bianchi] Uma coisa legal, quando a gente fala de tendências do mercado, existem dois tipos. Um deles é a tendência mais pragmática, no sentido de que de repente teve um filme, uma série, com algum tema, por exemplo o mais clássico, Crepúsculo, ele estourou então o tema de vampiro, voltou à tona, então quem tinha já uma história de vampiro, e sempre pensando nisso, com um diferencial e acabou ganhando espaço. É legal você ter isso em mente, você ler textos em inglês e você acompanha revistas em inglês, se você conseguir, claro ou então se você não lê inglês, geralmente existem, por exemplo, sites aqui e canais que falam sobre isso, o Sem Spoilers, que é um perfil no Twitter sobre novidades, ele geralmente fala qual livro está fazendo sucesso, que vai ser adaptado para filme, e tudo mais, então é bom acompanhar isso.
Mas uma coisa que eu acho que legal a gente pensar, que é uma coisa mais natural e que eu acho que gera histórias que estão dentro da tendência, mas de uma maneira menos mecânica e talvez mais honesta, mais sincera, que eu acho que tem mais chance dar em alguma coisa, é você pensar no que está acontecendo no mundo. É um lance muito de quando nós estamos prestando vestibular, além de estudar História, Geografia, Matemática, é legal ler a notícias, ler o que está acontecendo, assistir os jornais, porque a prova geralmente é baseada nas atualidades. As tendências literárias e as tendências da arte são também relacionadas ao que está acontecendo no mundo.
[Thiago Lee] É o zeitgeist, né.
[Jana Bianchi] Exato, então é muito importante você acompanhar isso e é claro que você não precisa forçar um tema que está acontecendo no mundo aí para a história, mas isso é quase natural, porque você está vivendo nesse mundo, você tem provavelmente essas angústias que outras pessoas estão vivendo e estão sentido no mesmo momento. Então por que não usar isso nessa história? A gente está falando aqui de fazer um negócio panfletário, um negócio que é uma cópia descarada de tudo que está acontecendo no mundo, mas às vezes é justamente aquela história que você precisa contar para tirar uma angústia, um coisa ruim que você está sentindo, que tem a ver com as tendências aí do mundo e tudo mais e aí você cria uma história que ela é honesta, que as pessoas se identificam. Ou então, não é só uma questão política ou uma questão que te atinge diretamente, mas é uma questão que te preocupa. Por exemplo, falar sobre histórias que tenham a ver com a destruição ambiental são histórias muito fortes, porque a gente está vivendo esse momento, estamos vivendo um momento em que os recursos vão acabar cedo ou tarde e isso gera questões políticas e questões econômicas. Logo, você pode colocar isso dentro de uma temática de fantasia, colocar isso dentro de uma temática de YA e adaptando o que está acontecendo no mundo para a sua história sabe.
Outra coisa que acho legal são essas tendências de diversidade, de inclusão e de representatividade, são tendências muito naturais, porque as pessoas elas estão reclamando espaço delas nas histórias com total razão. Então, isso é um diferencial a gente fala isso aqui o tempo todo, “Ah, tal livro é muito legal e além do mais tem muita diversidade”. A gente está falando de categorias de livros que possuem diversidade, coisas que estão em evidência por causa disso. Então acho legal ter essa noção também, para você se pautar em tendências de uma maneira mais natural, uma maneira mais orgânica e isso reflete na sua história.
[Paola Siviero] Eu acho que além disso, Jana, uma forma de buscar, lógico ler bastante, ver o que é que está saindo, é ter contato com a galera da área. Sempre que a gente vai num evento quando dá ou segue alguém, por exemplo, várias pessoas que eu sigo no Twitter ou no Facebook estão sempre falando de alguma coisa de tendência, do que está saindo. Às vezes tem até a oportunidade de ir num evento, aí você encontra um editor ou um agente que está ali e tem a oportunidade de perguntar, “E aí, o que você acha que está saindo mais? O que você acha que o pessoal está buscando“, entendeu? É lógico que você não vai partir disso para falar, “Então vou começar do zero um negócio aqui para seguir essa tendência“, mas as vezes te dá a oportunidade de, como você falou, incluir algo de diversidade, entendeu, que talvez você não tenha parado para pensar e você vê que cabe muito bem no projeto que você está trabalhando ou alguma coisa em relação aos próprios gêneros.
Tipo, sei lá, eu acho que tem uma tendência forte agora de meio fazer uma mistura de gêneros, às vezes é uma coisa mais ficção científica, mas em vez de ser mais ação, é uma coisa mais dramática, então é ir buscando, vendo o que o pessoal acha que vai estourar no Brasil em termos de livros gringos que vão vir. Por isso eu acho que ter contato com o pessoal da área ajuda bastante.
[Jana Bianchi] Sim, o que está saindo em Netflix da vida, o que está saindo em filme, o que está saindo em série. Embora quando sai, já é, entre aspas mil aspas aqui, “tarde demais” para você começar um projeto do zero, às vezes isso, se você analisar direitinho, você consegue ver uma certa tendência.
Vou jogar um exemplo aqui bem empírico, estou falando da minha cabeça, não conversei com ninguém sobre isso, mas eu acho que faz sentido: A gente teve aí o Stranger Things e ele retomou essa coisa da nostalgia dos anos 80. Eu acho que isso não é uma tendência de assim, “Ah, vamos escrever coisas que remetem aos anos 80 loucamente”, mas eu acho que é um espaço, se você vê que as pessoas curtiram tanto, que você não pode ter ideia de fazer alguma história que se passa nos anos 80 do Brasil? Uma história de fantasia ou um policial que se passa nos anos 80 resgatando isso. Então são uma tendência que você não precisa embarcar necessariamente, seu livro não precisa sair na capa falando assim, “O Stranger Things brasileiro! ”, porque vai ter, de repente, já passada tendência da série.
[Paola Siviero rindo] O encontro de Stranger Things com o axé isso.
[Jana Bianchi rindo] Isso, inclusive eu leria, se alguém quiser escrever.
[Paola Siviero] Uma coisa que eu estava pensando agora e depois a gente deixa o Lee falar também, coitado.
[Jana Bianchi rindo] A gente instaurou um golpe agora.
[Thiago Lee rindo] Eu já era minoria no Pavio Curto, agora eu sou minoria aqui também.
[Paola Siviero] É que esses dias assim, eu fiz um exercício que foi bem legal para mim, eu tinha tipo uns quatro projetos em mente e estou trabalhando em um agora um pouco menor, e estava tentando decidir o que eu ia escrever depois que eu acabasse esse atual. Daí um dia eu estava com mais amigas tomando uma cerveja e falei “Gente eu posso meio que fazer um pitch dos quatro projetos que eu tenho para vocês?”
[Thiago Lee rindo] Espera aí, quantas cervejas ela tinha tomado, já né.
[Paola Siviero] Duas, estava num bom clima, ainda confiável. Daí eu falei um pouco e tinha algumas ideias que eu gostava mais e que elas falaram tipo, “Ah, essa ideia é legal, mas parece que eu já vi tantas vezes essa história”. Então assim, eu tinha uma ideia de que tinha uma coisa que deixava essa ideia super original, mas na verdade não. Você vai se apegando naquilo e tal e aí ela falaram, “Ah, essa história já vi muitas vezes, já essa outra aqui que me pareceu mais diferente, mas ainda está um pouco confusa.”. Mas então fazer esse teste às vezes com gente que está fora, só de você colocar pra fora o mais geral da ideia, você já tem um feedback de que talvez tenha um caminho mais interessante para seguir e aí de repente, parar e escrever uma ideia de porte assim aí, ir mostrando para outras pessoas até você chega a conclusão. Não necessariamente é uma tendência, mas é uma ideia um pouco mais original que chamou mais atenção.
[Thiago Lee] Falando pouco também sobre o curso que eu fiz de editoração, que eles falam muito sobre isso e agora com a visão de editor, mais do que de autor, mas que vale também para autor obviamente. Eu lembro que quem falou isso foi, durante a aula, acho que era Pedro Almeida, que é da Faro Editorial, era ele quem estava dando essa palestra, essa aula, e ele fala até o que eu pontuei na fala da Jana, esse Zeitgeist, que é um termo que significa essa tendência das coisas, meio natural, que obviamente você pode forçar tema, etc e tal, mas ao mesmo tempo existe isso dos temas também convergiram, porque é o tempo estamos passando. Se agora atualmente, está se falando muito sobre distopia, sobre liberdade de expressão, essas coisas, é porque o que está acontecendo no mundo, inclusive na TV e na política. Vemos vários líderes que estão ou estão sendo eleitos, eles têm coisas em comum porque o que ele está passando atualmente no mundo.
E aí ele fala sobre o trabalho do editor (e se seu autor independente também que quiser pegar essa tarefa para si próprio), o trabalho do editor não é ele é tentar descobrir o que é que vai acontecer, porque ele não é vidente, né. É ele tenta entender esse zeitgeist, tentando entender essas tendências e falar, “Putz, eu estou vendo que existe uma tendência para novelas ou livros com vampiro”, por exemplo. E aí ele começa a fazer trabalhos em que ele comece a publicar livros bem no momento perfeito, porque por exemplo, se saiu de Crepúsculo, digamos, no ano 2000. E aí saiu o filme em 2003, por exemplo, nos Estados Unidos, logo o editor brasileiro fala, “Putz está rolando coisa de vampiro! ”, então o escritor, por exemplo, ele vai começar a escrever o livro sobre vampiro. Ele termina de escrever em 2005 e publica em 2007. Sete anos depois do livro original ter saído, então ele não pegou a tendência, ele usou algo que já foi consequência dessa tendência e tentou trabalhar em cima disso. O que ele estava falando, é que o editor tem que entender essa tendência enquanto está acontecendo, não depois que ela já passou, porque as vezes uma diferença de dois, três ou quatro anos já passou o boom e é o que às vezes eu acho que acontece muito no mercado brasileiro. Às vezes a gente entra numa onda dez anos depois de que ela já deixou de ser uma onda nos Estados Unidos, por exemplo.
Por isso eu acho legal isso de entender o que está acontecendo e não prever, mas tentar inferir o que vai acontecer amanhã, mas não vai acontecer daqui a tantos anos, mas tentar entender o que vai acontecer daqui a pouco.
[Jana Bianchi] Sim, sendo que nesse lance de “Ah, mas é o Brasil”, sendo que a gente tem tanta coisa, já batemos nessa tecla e eu vou bater de novo, a gente tem tanta coisa que aqui que só faz sentido dentro do nosso contexto e que é tão legal a gente explorar, não só para nosso público, são coisas interessantes para outros públicos. Então para quê, né, ficar focado nessas tendências nesses assuntos que estão sendo falados lá fora, se a gente tem tanta coisa aqui que vai acontecer e que está acontecendo? Eu acho que o grande sinal disso é, de novo, você entrar nas revistas americanas, na Tor, na Lightspeed, e ver o que eles estão publicando. Eles estão publicando coisas como origem e que têm inspiração em culturas africanas, eles estão publicando coisas que tenham inspiração em culturas de vários países da Ásia. Então assim, isso é legal de ir acompanhando.
Eu acho que é interessante também deixar para lá a Síndrome De Vira-Lata para pensar que a gente também pode “gerar coisas que serão bem vistas” e serão ser interessante para nosso público e fora também, acho legal pensar nisso.
[Thiago Lee] Sempre que eu vou fazer uma leitura beta ou leitura crítica de alguém que teve contato comigo, uma das coisas que eu costumo pontuar, além do texto em si, é perguntar “qual a sua expectativa para esse texto? ”, e muitos falam, “Ah, eu estou procurando editor”. Então, quando alguém fala que está procurando editora, procurando um agente, aí eu levo muito em consideração o tema do livro. Como por exemplo, teve uma vez que uma menina mandou um livro que era bem “isso é muito Black Mirror, meu”, e aí eu falei, “olha bacana, tipo, está muito em alta essa temática para se trabalhar”, era até alguma coisa a ver com sonhos, era um tipo de máquina que capturava os sonhos. Enfim algo bem Black Mirror e foi bem na época e estava saindo a terceira temporada, daí eu falei, “olha isso aí tá em alta, acho legal você fazer um pitch pra poder mandar para editoras, ou enfim, pra onde quer que seja”.
Mas ao mesmo tempo, eu lembro que teve um que eu li que era uma fantasia medieval bem clássica mesmo e o pior era estava muito bem escrito até, aí eu falei, “Olha, cara, tá super bem escrito…” (e ele tinha mandado só uns dez capítulos e tipo, o livro parecia que ia ter muito mais, porque não tinha nem chegado ainda na parte principal que iria dar um star na história, tinha vários pontos de vista, aquele negócio bem pré Martin ainda) “… assim é muito bom, você escreve muito bem, mas agora que pensa onde você vai mandar isso, quem é que vai aceitar esse pitch. Vai ser auto publicado? Ótimo, mas você acha que as editoras agora estão se preocupando em livros desse tamanho para autores iniciantes? ”. Acho bom entrar nessa discussão sim.
[Paola Siviero] Só falar uma coisinha relacionada a isso que o Lee falou e que eu pensei agora, que é o seguinte: Teve uma aula ( eu estava no semestre passado em uma aula de estratégia) que a gente estava falando sobre as habilidades ou as competências core de cada negócio. E o que acontece muitas vezes é que a gente tem ali várias habilidades, vamos dizer assim, várias áreas de conhecimento, então você conhece muito de fantasia medieval ou, sei lá, um pouco de comédia e um pouco disso, um pouco daquilo. Daí você quer escrever aquilo que você ama, então vamos nesse exemplo da fantasia medieval. Só que qual é o ponto? O ponto é que mesmo que você seja muito bom, para você ter uma competência que ela é considerada core mesmo, que é aquilo onde você deveria se basear, ela tem que ser um diferencial competitivo para você, entendeu?
Então, às vezes assim, você escreve fantasia medieval muito bem, só que você tem tanta gente concorrendo para esse mesmo nicho e tantos autores que estão escrevendo em inglês, que é um mercado muito maior e aí que já estouraram lá fora, então as editoras brasileiras preferem trazer isso, porque é uma coisa que tem uma certeza maior de que vai se pagar, vai dar lucro e tal, que dificilmente você vai conseguir se destacar nesse mercado. Mesmo sendo talvez a coisa que você escreve melhor, porque é aquilo que você ama. De repente tem um outro nicho que você também gosta, que você escreve bem, que talvez não seja o seu preferido de todos ou sei lá, é uma fantasia medieval, mas também é comédia e aí você fala, “ Hummm, esse aqui talvez não tenha tanta gente escrevendo”, ou é uma fantasia medieval, mas tem elementos brasileiros de alguma forma, como o Ian Fraser que fez uma fantasia mais baseada na cultura indígena.
Logo, são nichos que ninguém tá explorando, onde você pode fazer um ótimo trabalho e aí as editoras estão procurando por essa originalidade. Assim se o seu objetivo realmente é publicar por uma editora, lançar algo que possa vir a ser algo do qual se vai viver, você vai ter que pensar um pouco sobre isso. Você é o melhor autor? Você escreve uma coisa que realmente é diferenciada dentro do nicho ou do ambiente de competição que se tem ali? Acho que talvez valha a pena pensar sobre isso também.
[Jana Bianchi] Bom, acho que é isso e a gente quer saber de vocês quais são os projetos que vocês têm em mente aí, se ajudou a pensar no que vocês vão se dedicar agora no começo e ao longo de 2019 e quais são suas metas literárias para 2019. Falando da minha aqui, vou terminar o meu romance e vou terminar também uma outra novela, na qual já estou trabalhando, focando em pouca coisa que para o negócio aí sair mesmo.
Como a gente fala sempre, comentem aí no site para os outros ouvintes poderem ler, poderem responder e poderem comentar e virar uma outra conversa um pouquinho maior, mas se vocês quiserem conversar com a gente ou mandar sugestões de pauta, que estamos sempre aceitando, mande um email no contato@curtaficcao.com.br ou então deixa um tuite no @curtaficcao ou um inbox na nossa página no Facebook que é “Podcast Curta Ficção”.
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Nós vamos deixar todos links do que falamos na descrição do episódio.
[Jabás]
[Thiago Lee] E esse foi mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo.
Eu sou o Thiago Lee.
[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.
[Paola Siviero] Eu sou a Paola Siviero.
[Thiago Lee] Até a próxima.
[Vinheta de encerramento]