[TRANSCRIÇÃO] CF 032 – Terminei meu rascunho, e agora?

Transcrição referente ao episódio 032 do Curta Ficção, sobre “Terminei meu rascunho, e agora?”, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] Bem-vindos a mais um Curta Ficção, o podcast de literatura que cabe no seu tempo.

Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

[Thiago Lee] E hoje nós vamos falar sobre “o que fazer com o seu texto depois do primeiro rascunho? ”.

[Vinheta]

[Thiago Lee] Com o caos de fim de ano, acabou ficando complicado para a gente gravar episódios, tanto é que nós atrasamos uma semana, mas a gente não queria deixar nossos ouvintes sem a Curta ficção. Então resolvemos experimentar um modelo um pouco mais flexível.

Eu e a Jana gravamos nossos áudios separadamente. Fiquem tranquilos que para não perder qualidade no conteúdo, a gente escolheu testar esse caminho em uma série de episódios mais técnicos e muito mais pedidos. Para apresentar o tema, a Jana preparou uma introdução bem bacana.

Então fiquem com ela.

[Jana Bianchi] Oi gente.

Bom, todo mundo sabe que escrever a primeira versão de um texto é só um “degrauzinho” em uma escada enorme até você chegar num conto ou num romance finalizado, polido e com a melhor qualidade possível. Mas quais são os passos necessários para chegar nesse texto final? E quais elementos você deve considerar para melhorar seu texto? 

A gente vai partir aqui da suposição que você já terminou de escrever a primeira versão do seu texto, do livro, do seu conto ou do seu romance.

Nesse ponto, o texto é justamente um rascunho, só rascunho mesmo, uma primeira versão. Você provavelmente fez várias anotações reais, no papel, no computador ou na sua cabeça, de coisas que você quer mudar, personagens para cortar, cenas para incluir, tramas para consertar e para abordar de um jeito mais profundo ou menos profundo. Se você não fez, é importante considerar fazer nesse momento, porque são raríssimos os casos em que um texto sai pronto da cabeça do autor. Se você ainda tem muitos elementos sem definição nesse momento, não se preocupe, é totalmente normal que nem tudo esteja claro na sua mente. E para discutir como resolver essas questões, vamos por partes, como diria o Jack Estripador, ou numa versão mais recente, o George Martin.

Então para começar, o Lee vai falar para vocês qual que é o primeiro passo que você deve tomar assim que você colocar o ponto final no seu rascunho e esse passo é: Deixar o seu texto descansar.

[Thiago Lee] Como a Jana disse, são raríssimos os textos que saem prontos da cabeça do autor, até por uma questão de produtividade, é basicamente inviável você ficar poluindo as frases conforme escreve, até conseguir transformar sua ideia em um texto que expresse sua ideia perfeitamente. Mas fora essa questão, existe uma outra coisa que impede que o texto chegue em sua forma ideal logo de primeira, que é o cansaço e o olho viciado do autor. 

É bem comum a gente escrever um texto e logo depois notar que repetiu a mesma palavra em um parágrafo, por exemplo, e o mesmo acontece com a história. Uma reviravolta ou um diálogo parecem super adequados quando você escreve, podem não ser tão legais assim. E você mesmo vai conseguir perceber onde seu texto precisa de intervenção assim que se afastar um pouco dele e deixar sua cabeça esquecer o que você mesmo escreveu. Mas o tempo para sua mente se afastar o suficiente do texto, a ponto de você ser capaz de enxergar as falhas, vai depender muito do escritor para escritor. Tem gente que diz que alguns dias são suficientes e tem quem recomende longos períodos de afastamento, tipo três meses, por exemplo. 

O que é importante é que você não se precipite nessa etapa. Se você pegar o texto para reler depois de um tempo e já for capaz de ver os defeitos ou mesmo se admirar com coisas legais que você escreveu e das quais tinha esquecido, é um sinal de que é um bom momento de voltar.

[Jana Bianchi] E muito escritor fica um pouco ansioso, um pouco aflito nessa etapa, porque é um período que parece um pouco perdido. Realmente a vontade é mandar logo esse texto para os amigos, publicar, mandar para a editora ou para concurso, enfim. Mas essa atitude pode inclusive queimar o texto e fazer o autor perder oportunidades. Então uma dica que a gente dá é usar esse tempo para cuidar de coisas importantes do livro que não diz respeito ao texto. Então esse período de espera pode ser usado, por exemplo, para criar a sinopse e o pitch do seu livro. O pitch tinha aquela explicação mais dinâmica que você precisa dar para alguém que não conhece a sua história, precisa ser o famoso “resumo do elevador”, como se você entrasse no elevador com alguém e precisasse resumir a sua história.

Outra ideia é partir para outros textos, em especial projetos menores, como contos, novelas, noveletas, enfim. Mas a ideia mais interessante na minha opinião, especialmente para quem quer continuar dedicado a um projeto só, é pensar em listar as coisas que você acha que você precisa fazer no seu texto durante a primeira revisão, que é a etapa que vem logo depois desse hiato, desse descanso. A gente vai falar agora brevemente sobre cada ponto.

Então uma coisa que você necessariamente vai precisar fazer no seu texto, é cortar tudo aquilo que é irrelevante, principalmente e especialmente no começo da história. Por quê? Porque a gente tende a carregar o começo de informação, mas os primeiros parágrafos, como a gente já falou várias vezes aqui no Curta Ficção, são justamente aquela parte do texto que precisa ser mais enxuta, mais objetiva, mais direta. Então, tira um tempinho para analisar o texto e fazer cortes em duas camadas.

Na primeira camada, você vai cortar conteúdo. São cenas irrelevantes, personagens que não adicionam à cena ou que não adicionam a trama num todo, descrições exageradas, etc. Na segunda camada, você vai mexer na forma, você vai cortar forma, então você precisa cuidar para que cada frase fique mais certeira, menos redundante, com descrições mais simples e organizações de frases que tornam o texto mais fluido.

[Thiago Lee] Uma outra coisa que é importante é cuidar dos detalhes do texto.

Ao mesmo tempo em que é preciso cortar, como a Jana já disse, a segunda passada pelo texto é um bom momento para adicionar coisas, acrescentar detalhes ou uma descrição que vão tornar a imagem da cena mais certeira, ou adicionar uma característica especial a um personagem que vai tornar ele mais fácil de se identificar. Vale dizer que nesse momento, você vai ter escrito o texto inteiro, certo? Então você vai ter uma visão muito mais completa da sua história que você não tinha antes.

A Jana vai falar um pouco mais sobre isso, mas é interessante acrescentar conteúdos no começo da história que farão uma ponte com o que acontece lá na frente da história.

[Jana Bianchi] A primeira revisão também é um momento importante para você criar simbolismo para a sua história. O Stephen King defende que o tema do seu texto só aparece depois que você escreve a história inteira. Enquanto alguns outros autores acham que não, que é bom você já saber o tema ou os temas que você quer abordar nessa história, assim que você faz o outline. Mas de uma forma ou de outra, é na revisão que você vai conseguir imbuir o texto inteiro com esse simbolismo apropriado. Então é hora de você acrescentar cenas, nomes, frases que reforcem o tempo todo o tema da história e tal. Você pode inclusive modificar cenas que você já escreveu para que elas fiquem mais alinhadas com seus temas, em especial que se você criar ou se você pensar em temas ao longo da história, depois que você já começou a escrever.

[Thiago Lee] Uma outra coisa a se fazer na primeira reescrita do texto, é adicionar o foreshadowing. Para quem não sabe, esse termo inglês foreshadowing significa você colocar no início do texto ou no meio, digamos assim, dicas para coisas que irão acontecer na frente, para que quando realmente acontecer não seja uma surpresa. Por exemplo, se você já leu Harry Potter, a primeira cena em que mostra o Snape encontrando o Harry pela primeira vez, ele não olha para a cicatriz do Harry, que é onde todo mundo sempre encara, ele olha pelos olhos de Harry e para quem sabe, ele olha para os olhos de Harry porque ele lembra dos olhos de Lily, que é mãe de Harry e por quem o Snape era apaixonado. Então normalmente você está escrevendo um livro de primeira, você não vai pensar esses detalhes, mas depois que você termina e você começa a ter essas coisas delineadas na sua cabeça, aí sim você vai inserir essas coisas lá atrás e isso sim é o foreshadowing

E continuando, se você costuma escrever com outline, boa parte das dicas e das referências precoces a coisas que vão acontecer lá pra frente, já foram consideradas. Se você é do tipo mais “jardineiro”, que vai escrevendo conforme as ideias vão vindo, provavelmente vai precisar fazer um trabalho mais pesado na hora de plantar dicas ao longo do texto para que as reviravoltas lá na frente não soem como um deus ex machina. De um modo de outro, só tendo uma história completa e que você vai conseguir distribuir direito o foreshadowing para que suas viradas de roteiro, seus plot twists, não fiquem nem muito escancarados e nem muito pobres de justificativas.

Essa também é a hora de você consertar algumas incongruências ou fechar os famosos “buracos”. É totalmente normal você escrever furo de roteiro, seja dos mais simples, por exemplo, se você escreveu uma cena noturna e disse que “ o sol estava brilhando”, ou até os mais sérios, como escrever o encontro de dois personagens cuja as linhas do tempo são incompatíveis. O importante é você ser capaz de identificar esses furos para trabalhar no conserto deles ao longo da primeira revisão. 

Também é hora de checar árvores genealógicas, características específicas de um personagem, tipo, se o personagem for gago, ele tem que permanecer assim até o fim ou a mudança tem que ser justificada, e erros de continuidade, por exemplo, continuidade igual de filme mesmo, cheque se todos personagens de uma cena estão suficientemente engajados, se o clima é consistente ao longo da cena, se os objetos importantes estão onde deveriam estar, etc.

[Jana Bianchi] E tem mais um trilhão de pequenas coisinhas específicas que pode melhorar na primeira reescrita do seu rascunho. Mas a última grande categoria de mudança é: Os diálogos.

Como já falei em outras ocasiões aqui no Curta Ficção, o bom diálogo não só é natural como ele também acontece em múltiplas camadas. Então você tem aquela conversa casual dos personagens, mas você tem também o que eles realmente gostariam de falar. Geralmente, é alguma coisa tem uma coerência com aquela cena ou o tema da história. É muito difícil acertar o diálogo de primeira, né. Tanto em relação à naturalidade, quanto em relação à existência de um subtexto. Então durante a primeira reescrita, a primeira revisão do texto, é muito importante você calibrar isso.

Outra coisa que torna a correção dos diálogos mais fácil depois da escrita de todo texto, é que seus personagens vão naturalmente amadurecendo e consolidando a voz deles ao longo da história. Então, é muito comum você começar com um personagem falando de um jeito, tendo uma personalidade, que obviamente influencia o jeito de falar, e terminar a história como um personagem totalmente diferente. Ele vai se ajustando. Só que é importante você voltar para que os diálogos fiquem todos padronizados nesse quesito, para que um mesmo personagem fale da mesma maneira, a menos que haja uma mudança que influencia no modo de falar do personagem, mas é uma questão à parte, ou seja, você precisa voltar e padronizar tudo.

Depois disso, teoricamente o seu texto vai estar pronto para a próxima etapa e essa a próxima etapa é: A leitura beta.

E aí assim, as pessoas trabalham de formas diversas com os leitores beta, mas a mais comum delas é enviar o texto para esse leitor de confiança, que é o leitor beta, só quando as coisinhas que a gente falou agora estiverem resolvidas ou suficientemente mexidas para que chegue pelo menos num ponto em que você acha que seu leitor vai entender o que é você quis dizer. 

Você tem que ter em mente que você ainda não precisa ter um “texto ideal” no quesito da forma, porque o texto ainda vai passar, provavelmente, por uma nova revisão depois que você inserir coisas novas ou deletar coisas ao longo e depois da leitura beta e esse texto também ainda vai passar por um copydesk, vai passar por uma revisão, de profissionais ou do seu próprio. Então, a forma não é muito importante nesse momento, mas a história tem que estar a mais próxima possível do que você acha ideal. Aí vai ser a hora de colocar sua história à prova para ver que os primeiros leitores acham dela. 

Mas sobre esse tema, que é a leitura beta, a gente vai falar só no próximo episódio dessa série que vai ser daqui alguns episódios.

[Thiago Lee] Bom, então é isso, gente. 

A gente fica por aqui essa semana, foi um episódio bem curto, espero que tenham paciência com a gente, está sendo bem difícil, várias questões de fim de ano, o Rodrigo está viajando, etc. Mas a gente quereria trazer um conteúdo para vocês, né, com pelo menos um pouco de regularidade e vamos esperar o que vocês acharam desse episódio, desse formato. E provavelmente em breve nós vamos continuar nessa série de episódios, aí o próximo vamos falar sobre os leitores betas, como a Jana falou. 

Então é isso, espero que tenham gostado.

[Jana Bianchi] E se você ficou com alguma dúvida sobre esse processo de primeira reescritas do texto, você pode mandar um e-mail para a gente no contato@curtaficção.com.br ou por twitter no @curtaficcao ou  in box na nossa página no Facebook, http://www.facebook.com/curtaficcao . Você pode também comentar no site, que lá os comentários ficam disponíveis para as outras pessoas e discutirem.

E lembrando mais uma vez que, se você curte o nosso conteúdo, existem três jeitos de apoiar a gente. O primeiro é recomendando o Curta Ficção e mandando o episódio no WhatsApp, compartilhando nas redes sociais ou falando para os seus amigos seguirem e ouvirem a gente, o outro é avaliando podcast no seus agregadores de podcast, nós estamos em todos eles, inclusive no Spotify, ou apoiando nosso financiamento coletivo no Catarse (https://www.catarse.me/curtaficcao) ou no PicPay (picpay.me/curtaficcao). 

Nós vamos deixar todos links do que falamos na descrição do episódio.

[Thiago Lee] E relacionado ao tema, eu tenho um jabá que queria falar que é o meu serviço de leitura crítica, que caso você queria que seu conto, o seu romance, que está inacabado até ou acabado mesmo, passe por uma leitura um pouco mais apurada e tal, pode falar comigo, me manda e-mail ou pelo Twitter.

O pessoal que está utilizando o serviço está curtindo bastante, tem vários depoimentos lá, é bem legal.

[Jabás]

[Thiago Lee] E esse foi mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de literatura que cabe no seu tempo.

Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi]  Eu sou a Jana Bianchi.

[Thiago Lee] E até a próxima, pessoal.

[Vinheta de encerramento]