Transcrição referente ao episódio S01E02 do A história além da história: Droga de Americana!, que pode ser acessado clicando neste link.
Transcrição por Ton Borges
[Vinheta de Abertura]
[Convidada] A Sâmela era assim, sabe, uma pessoa que sempre foi ligada de alguma forma à escrita, à leitura e também que gostava muito de fazer redações com tema livre na escola. Eu lembro que quando eu era bem mais nova também, eu fiz uma redação que me deu problema com a diretoria da escola porque eu tinha feito uma redação falando que a diretora da escola morria queimada num HAHAHA… num incêndio na escola, HAHAHA… e tipo, chamaram minha mãe para conversar e tal e minha mãe falava que eu tinha uma mentalidade muito fértil, HAHAHA. Mas então, eu sempre tive esse lado meio de querer escrever, de querer estar ligada com histórias, bizarras ou não… essa é ótima, né? HAHAHA.
[Thiago Lee] Uma boa história não termina no ponto final, ela continua na vida de cada um de nós.
O episódio de hoje começa alegre e termina ainda mais feliz. Nossa convidada, Sâmela Hidalgo, fala sobre o livro que abriu espaço para ela descobrir a carreira que seguiria para o resto da vida.
Eu sou o Thiago Lee e essa é A História Além da História.
[Sâmela Hidalgo] Oi gente, eu sou a Sâmela Hidalgo, eu sou editora de quadrinhos, tenho um podcast chamado D.F.P (Devíamos Fazer um Podcast) com outra galera aí do meio dos quadrinhos e também sou colunista do site Mina de HQ e também sou organizadora do projeto “Norte em Quadrinhos”, onde eu busco dar visibilidade aos quadrinistas do Norte do país. Eu no momento estou em Manaus, mas eu moro em São Paulo, só estou aqui visitando meus pais.
Escolhi o livro A Droga de Americana!, do Pedro Bandeira, que faz parte da série de livros Os Karas. Esse livro foi o primeiro livro assim que eu li na escola que me fez realmente me apaixonar pela literatura, pelo ato de ler. Eu tinha 11 anos e nessa época eu morava num colégio interno lá no interior do Paraná e quando o Pedro Bandeira entrou na minha vida, quando esse livro entrou na minha vida, eu li em um dia, porque eu tinha que fazer prova sobre o livro e etc, daí fui na biblioteca da escola procurar os outros cinco livros da série. Lembro que eu fiquei muito empolgada e foi ali que parece que tudo na minha vida mudou. Parece que foi nesse momento, aos 11 anos de idade, que definitivamente eu escolhi a minha profissão, que eu queria trabalhar com alguma coisa que envolvesse livros, porque era minha paixão.
Então o Pedro Bandeira é muito importante para a minha vida de leitora, na minha profissão. Eu não fazia ideia de que a vida iria me levar para o mundo dos quadrinhos, então primeiramente a minha ideia principal era trabalhar com livros, porque era uma coisa com que eu era apaixonada, mas os quadrinhos me levaram para outro lado. Só que o Pedro Bandeira sempre vai ser essa parte muito importante de quem eu sou, do livro dele e das histórias dele. Foi esse momento aí que definiu toda a minha vida quando eu tinha 11 anos de idade, eu acho.
O livro tem esse poder de mudar e de abrir nossa mente. Eu acho que aquela galera que fala, “Ah, não gosto de ler”, eu já tive gente da minha vida que falou, “Por que você gasta tanto dinheiro com livro e não com maquiagem?”, ou sei lá, outra coisa, mas, cara, o livro é um prazer que a gente tem! Quem gosta muito de ler, tem um prazer enorme de estar ali dentro daquela história. Pode ser qualquer tipo de história, o livro tem esse poder de mudar nossa vida, tanto para um relacionamento ou um emprego ou qualquer coisa nesse âmbito, o livro tem esse poder. Então, eu acho que ele teve isso na minha vida. Eu já tinha aquilo ali dentro de mim adormecido, aquela alma de alguma forma iria se envolver com esse mundo dos livros, e quando o livro chegou na minha mão, foi como se eu estivesse abrindo uma caixa mágica, sabe?
Então acho que é esse o sentimento que eu tenho quando eu falo de livros e de leitura.
[Thiago Lee] Eu pedi para Sâmela falar um pouco mais sobre o livro de Droga de Americana! do Pedro Bandeira.
[Sâmela Hidalgo] Bom, a história conta a trajetória da filha do presidente americano quando ela vai para São Paulo e ela encontra ali na escola, onde ela está estudando por aqueles dias, por um grupo chamado “Os Karas”, que são quatro meninos e uma menina. Nesse grupo, eles se envolvem em várias investigações, tem códigos secretos, etc, e eles são todos adolescentes e sempre estão envolvidas em alguma aventura que está rolando na cidade ou às vezes em outra cidade. Eles são amigos de um policial também, então isso tudo sempre vai encaixando ali e é muito legal porque eles têm essa ligação muito forte com essa menina nova, que é filha do presidente americano, e ela é sequestrada. Aí eles são as únicas pessoas que ela consegue se comunicar estando nesse sequestro, com esse código que eu falei. Então eles se envolvem ali nessa aventura de tentar resolver o quebra-cabeça de onde ela está e enquanto isso a investigação policial mesmo dos adultos se acontecendo e tal.
É uma história de aventura e de amizade muito legal, acho que assim, é realmente quando você é adolescente, você tem uns 11 ou 12 anos, é um livro que realmente vai te fazer gostar de ler, é um livro introdutório para um adolescente. Por isso mesmo que eu acho meio que me pegou.
[Thiago Lee] Quem aqui nunca leu um livro viciante e que não conseguia parar de ler de jeito nenhum? Às vezes a gente faz o impossível para continuar lendo até o fim.
[Sâmela Hidalgo] No quarto que eu dividia lá, eram eu e mais três pessoas desse colégio interno. Eu lembro que eu lia na minha cama e, quando dava umas dez da noite, eles desligavam as luzes todas do dormitório e o único lugar que tinha luz, a partir das dez da noite, era no banheiro. Então eu pegava o livro, eu estava tão viciada, eu queria tanto ler, tanto saber o que acontecia naquela história, e ia no banheiro e ficava lá acordada até de manhã lendo, porque era o único lugar que tinha luz HAHAHA.
Quando eu penso no livro, penso nessa sensação, eu lembro de estar no banheiro. Então eu ficava ali sentada no chão do banheiro lendo de até de manhã. Eu tenho essa memória bem forte de “Puxa, eu estou no banheiro, então é hora de ler A Droga de Americana! HAHAHAHA”.
[Sâmela Hidalgo] Eu lembro também que neste livro, há uma espécie de código que eles usam para se comunicar quando acontece lá o lance dos caras querem sequestrar ela e ela tem que se comunicar com a galera. Então ela inventa um código, que é o código “Tênis-polar”, e eu lembro que era uma amiga minha desse internato, na época a gente ficou tão viciada nesse livro e nessa série, que a gente só se falava por esse código, então a gente mandava mensagens em bilhetinhos uma para a outra, a gente mandava um para o quarto da outra lá no internato, tudo assim codificado porque a a gente queria muito estar nesse mundo dos personagens. Hoje fazem 15 anos que eu sai do colégio interno e ainda conversamos, a gente ainda mantém contato, eu e ela, e eu lembro que todo ano a gente mandava cartas uma para outra no final do ano e as cartas que a gente mandava eram sempre em código, esse mesmo código que a gente usava quando tinha 11 anos, do Pedro Bandeira. Até hoje às vezes quando a gente quer falar alguma coisa no grupo que a gente tem, é uma coisa que só nós duas entendemos, a gente fala no nosso código. Então é uma coisa assim que ligou a gente para o resto da vida, sabe? 15 anos depois, nós continuamos tendo esse livro como uma coisa que sempre vai estar ali ligando a nossa amizade.
Meus pais às vezes pegam as cartas que ela mandava para mim e eu mandava para ela e é engraçado porque está tudo codificado, eles não entendem nada e eu fico rindo, porque só a gente mesmo para lembrar desse código até hoje. Isso eu acho muito legal, é uma amizade muito boa ainda hoje. Ela mora em São Paulo também, então a gente sempre troca ideia, conversa, assim, se vê e é muito legal que o livro uniu nós duas dessa forma tão boa.
[Thiago Lee] Muitas vezes a primeira influência para uma pessoa se tornar uma ávida leitora vem de dentro de casa. Eu perguntei para Sâmela se os pais dela tinham incentivado ela a ler.
[Sâmela Hidalgo] Olha, a minha mãe incentivava de uma maneira mais direta, porque como ela é professora, ela via o meu interesse por livros e então começou a me dar vários livros. Ela me deu um chamado “Poderosa – Diário de Uma Garota Que Tinha o Mundo na Mão”, que era um livro também brasileiro, sobre uma menina que tudo que ela escrevia com a mão esquerda, acontecia. Eu lembro que a minha mãe me deu a série inteira, quando ela começou a perceber que ela estava querendo ler mais coisas, ela sempre foi muito mais direta, ela sempre chegava perguntando, “Qual livro você quer? ”, e me dava o livro.
O meu pai não, com o meu pai sempre foi uma forma mais indireta porque eu sempre via ele lendo. Ele sempre estava ou lendo a Bíblia ou estava lendo algum livro religioso ou algum livro, tipo assim, de futebol, por exemplo, de algum tema que o interessava. Ele não era aquela pessoa que me dava o livro mas eu estava sempre vendo ele lendo. Então isso de muitas formas me impactou e quando ele também começou a perceber que eu estava me interessando pela leitura, ele foi me dando uns livros bíblicos, tipo a história de Ester, a história de Maria e aí isso também foi me criando como essa leitora que eu sou hoje, mas de uma forma mais indireta.
Minha mãe não, ela era já, “Toma esse livro!” e tacava o livro na minha cabeça e eu lia, era sempre mais direta, mas os dois me incentivaram e me incentivam até hoje no trabalho, eles querem se envolver, querem saber o que eu estou lendo, no que é que eu estou trabalhando. Por exemplo, eu falei para eles, “Ah, eu estava trabalhando no quadrinho de Umbrella Academy” e minha mãe foi pesquisar para saber o que que era Umbrella Academy, qual era história, foram assistir a série. Eles realmente se envolvem muito nisso, eles gostam de estar nesse meio, gostam de saber o que está acontecendo e isso é muito legal, eles são incríveis.
[Thiago Lee] Eu quis saber também se o fato dos livros do Pedro Bandeira serem ambientados em São Paulo foi alguma influência para ela ir morar lá depois de adulta.
[Sâmela Hidalgo] Eu pesquisei muito sobre São Paulo nessa época que eu estava lendo os livros, porque como ele fala sobre o Colégio Elite ali, que fica no centro de São Paulo, eu não conhecia nada de São Paulo nessa época. Lembro que eu ia à biblioteca, porque isso foi em 2006, a internet ainda não era tão boa como hoje em dia, então eu ia lá para pesquisar sobre São Paulo. Por isso eu tinha essa ideia do São Paulo ser para mim essa cidade onde as coisas, as aventuras dos Karas, aconteciam. Então quando eu mudei para São Paulo, mais de dez anos depois, eu senti uma realização da Sâmela adolescente, finalmente conhecendo aquela cidade que ela era apaixonada ali naquela época que ela lia os livros, então tem essa ligação muito forte e ainda mais, é a cidade que eu me inseri no mercado editorial, que eu me inseri no meu trabalho. Acho que está tudo interligado aí no universo.
[Thiago Lee] Eu particularmente sou migrante, morando em São Paulo atualmente e me lembro com muito carinho dos livros do Marcos Rey, principalmente o Mistério do Cinco Estrelas e o Um Cadáver Ouve Rádio lá da saudosa Coleção Vagalume, e os livros dele falavam bastante sobre o centro da cidade de São Paulo.
E como todo migrante que está em São Paulo vai te dizer, essa é uma cidade bem complexa. Há muito o que amar e há muito o que odiar também.
Eu perguntei para a Sâmela como é a relação de amor e ódio dela com a cidade.
[Sâmela Hidalgo] Olha, HAHAHA, olha… é um tópico aí muito… “difícil”, né? Não, mas eu não tive decepção não, eu gosto muito de São Paulo. Às vezes é difícil, né, como pessoa nortista ou pessoa nordestina, a gente sabe como é difícil quando a gente sai do nosso aspecto cultural e vai para um outro que é bem diferente. Em um que as pessoas acham muito que a gente é meio inferior. Mas eu gosto de que São Paulo é multicultural, tem a cultura de todos os estados, de todas as cidades ali, eu gosto dessa mistura. Em São Paulo é aquela coisa, né, ela é feita de pessoas de outros lugares além dos paulistanos, então você sempre vai encontrar gente de todo lugar ali e isso é legal, essa pluralidade.
[Thiago Lee] E para finalizar, eu perguntei como ela se sentia com relação a um problema que eu, como profissional do livro, particularmente, tenho bastante, que é ler menos por prazer e acabar lendo mais por obrigação.
[Sâmela Hidalgo] Claro que quando eu pego um livro ou um quadrinho é automático, minha mente vai pegar os erros gráficos, os erros de edição, os erros de revisão, porque faz parte do meu olhar já como profissional da área. Mas eu ainda consigo diferenciar, desligar um pouquinho essa chavinha e ler por prazer. Só que é uma coisa engraçada, a gente sempre está lendo alguma coisa eu penso, “Poxa, isso dava para fazer assim, dava para criar algum tipo de conteúdo ou alguma coisa do meu trabalho em cima disso aqui”, então a gente sempre tende a fazer isso quando a gente trabalha com essas coisas. Mas ainda hoje eu consigo diferenciar bem, ainda não tive problema com isso, mas esse mundo editorial, sinceramente, não tinha outra coisa na minha vida que eu pudesse fazer a não ser trabalhar com isso.
Eu lembro que eu fiz três anos de arquitetura e eu odiava. Eu era ruim de desenho, eu era ruim de cálculo, eu não sei o que eu estava fazendo ali naquela faculdade e quando fui fazer faculdade de produção editorial e me encontrei nessa área de verdade também, né, a coisa que já era destinada a mim, mas eu não sabia, tudo mudou na minha vida e nessa minha relação com a leitura, mas claro que a gente sempre tem essa visão mais crítica.
Eu lembro que esses dias, por exemplo, o meu pai estava doente, eu estava com ele e ele pediu para eu ler a Bíblia para ele. Eu lia um capítulo da Bíblia para ele e na hora eu que estava lendo, eu falei para assim, “Nossa, olha que erro aqui HAHAHA, nessa edição no capítulo de 17 de Marcos”, HAHAHA, tipo, eu pegando erros na Bíblia, porque é uma coisa que já está intrínseco para a gente que trabalha com isso.
Mas eu consigo ainda diferenciar e continuar me divertindo com isso…
[Thiago Lee] A “A História Além da História” é uma produção do Curta Ficção. Eu sou o Thiago Lee, roteirista e editor.
As informações dos livros citados e créditos de trilha sonora podem ser encontrados no post do episódio.
Arte de capa por Johnatan Marques e transcrição do episódio por Ton Borges.
Até a próxima.