Transcrição referente ao episódio S01E01 do A história além da história: Confissões do Crematório, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] O programa a seguir trata de temas sensíveis como suicídio e morte.

[Vinheta de Abertura]

[Convidada] Em 2014, no começo do ano, uma amiga minha muito querida se matou e eu surtei, eu fiquei bem louca durante o ano de 2014, porque é aquela coisa, você se culpa, você pensa “Ai, mas eu não prestei atenção nela, não ajudei como eu podia”, aquela coisa toda, né.

E ler o livro, tem até um capítulo que a Caitlin Doughty fala sobre, é que eu acho que eu não falei muito sobre o livro, mas Caitlin trabalhou muitos anos num crematório. Ela preparava os corpos para colocar no crematório em si, no forno. Uma das pessoas que ela cuidou nessa situação tinha morrido em decorrência de um suicídio. Então ela questiona muito, questiona não, ela explora muito essa questão sobre a liberdade da pessoa, sobre “cada um faz o quer”, né, inclusive querer tirar a própria vida. A gente julga isso até que ponto? Até que ponto isso reverbera nas outras pessoas, né? 

Principalmente esse capítulo mexeu muito comigo e um outro capítulo também que ela fala que na faculdade ela estudou a história da bruxaria e ela fala que as bruxas eram acusadas de queimar bebês, daí ela fala que ela queimou corpos de crianças que tinham morrido. Então ela fala, “Olha só, eu estudei isso e hoje eu queimo bebês”. 

[Thiago Lee] Uma boa história não termina no ponto final, ela continua na vida de cada um de nós. 

No episódio de hoje, convidei a Michelle Henriques para falar sobre um livro que transformou a vida dela e a fez pensar sobre a morte com uma perspectiva diferente.

Eu sou o Thiago Lee e essa é A História Além da História.

[Michelle Henriques] Meu nome é Michelle Henriques, eu moro em São Paulo e eu trabalho na área de marketing de uma editora de livros. Um dos livros que eu acho que mudou a minha vida foi Confissões do Crematório, da Caitlin Doughty, e ele saiu aqui no Brasil pela DarkSide com tradução da Regiane Winarski. 

Eu não gosto muito da capa desse livro porque ela não representa o que esse livro é. Parece uma coisa meio de freak show e não é nada disso, o livro é quase um livro de antropologia, fala muito sobre como as culturas veem a morte, focando, claro, nos Estados Unidos que é de onde a autora é.

Mas ela me fez pensar em questões que eu nunca tinha pensado na vida. Um exemplo básico, a gente prolongou tanto a vida das pessoas, mas não deu qualidade de vida. Então as pessoas vivem muitos anos, mas em situações péssimas, não se tem cuidado com essas pessoas, aí eu falei “Nossa, é verdade!”. E outra coisa que ela me fez pensar demais é como a gente não fala sobre a morte, principalmente com os nossos pais e nossos parentes mais velhos. Deveria ser básico a gente saber o que aquela pessoa quer, por exemplo, quando ela morrer quer ser cremada, quer ser enterrada, ela quer que faça um velório ou qualquer outra coisa. A gente não conversa, quando a gente se aproxima desse assunto com as pessoas, elas dão aquela surtada, né, não querem falar disso. Eu vi o quão importante é conversar sobre isso não só com esses parentes, mas conversar entre a gente. 

Então esse livro mudou completamente minha visão, eu estava lidando com o luto muito recente nessa época que eu li e aí ele me fez aceitar as coisas de uma forma melhor, sabe? Então, eu posso dizer que esse livro mudou minha vida.

[Thiago Lee] Eu perguntei a Michelle como ela costuma lidar com a morte, algo que é tão tabu para nossa sociedade.

[Michelle Henriques] Pensa, na primeira vez que vi um cadáver, acho que foi no enterro de um avô de um ex meu, quando eu já tinha 16 ou 17 anos, eu nunca tinha visto antes.

Eu acho que como eu era muito nova e eu não tinha muito contato com aquele senhor, tinha visto ele poucas vezes, não foi um baque tão grande. Para mim foi muito mais difícil quando vi a minha avó. Para uma pessoa de idade, é o curso natural da vida, apesar dessa coisa de tabu e etc, a gente meio que espera que os nossos avós morram e aquela coisa toda. Mas uma pessoa nova? Ainda mais sua amiga? Parece que é sempre no outro, né, a outra pessoa que morreu, o amigo de fulano, nunca na nossa vida. E aí quando a “minha” amiga se matou, foi muito complicado ver ali o corpo dela e tal.

Como eu te disse, eu surtei… eu me demorei, sei lá, quatro anos para me recuperar depois de muita terapia, pensar muito sobre, ler muito sobre, eu leio muito sobre a morte, sobre o suicídio e sobre afins, para tentar entender, né, porque a gente nunca vai entender realmente essa questão.

A morte é uma coisa muito complicada. Eu tenho um amigo que mora comigo que ele até brinca, a gente trabalha e estuda para não ficar pensando em sexo e em morte, porque são as duas coisas que o ser humano mais pensa. A gente querendo ou não é sempre pego de surpresa, mas eu quero não ser “tão” pega de surpresa. 

Eu fiz um curso de escrita criativa em 2018 e um dos poemas que eu escrevi, eu achei que eu tinha escrito para um “cidadão X” que estremeceu de uma forma muito ruim a minha vida, mas aí a professora começou a ler e falou assim, “Hummm… você não está falando desse cara nesse poema” e eu, “É claro que eu estou, olha aqui!” e ela, “Não, você está falando da sua amiga” e aí eu “O que?!”. Porque eu já tinha contado para ela que eu estava lidando com aquele trauma e então ela começou a apontar pontos no poema que era literalmente a minha amiga, tipo, eu racionalmente não tinha entendido aquilo. Eu até brinquei com ela, “Caramba, paguei quatro anos de terapia, para você em duas aulas resolver todo um problema na minha vida”. 

Brincadeiras à parte, isso foi um grande estalo na minha vida, esse momento em que eu achei que era uma questão resolvida e não era e senti que se tornou resolvida depois dessa aula com ela. Mas o livro da Caitlin foi essencial, porque você para se culpar quando você entende…  não é que você entende, é difícil falar isso, porque eu acho que a gente nunca vai entender, né. Mas quando você respeita o que o outro faz, é muito difícil para quem fica pensar em filho, marido, aquela coisa toda, mas a vida é da pessoa e você não pode fazer nada. Então quando você tira esse peso do seu ombro, “Eu poderia ter ajudado, será que teria funcionado ou não?”, por isso eu falo que essa leitura e essa aula foram pontos decisivos para como eu me sinto em relação a tudo isso.

[Michelle Henriques] Para as pessoas, entre muitas aspas, “normais”, esse pode ser um assunto muito mórbido. Mas não é mórbido, a morte não é mórbida, ela é a nossa vida, é o final da nossa vida, todo mundo vai morrer, entendeu? E ninguém fala disso e fica nessa questão de peso em cima da morte e tal, a própria Caitlin tem um projeto que é The Order of the Good Death, que ela fala que a gente tem que normalizar a morte, inclusive foi assim que eu conheci ela, por um artigo que se eu não me engano foi para The New York Times, não me lembro direitinho em qual o jornal, mas foi a primeira vez que ouvi falar dela e eu fiquei obcecada com a história e quando eu descobri que o livro iria sair aqui, eu fiquei super feliz.

E mais um motivo de ser um dos livros da minha vida, é que eu conheci a Caitlin no ano passado, quando ela veio para o Brasil, eu a entrevistei e ela é maravilhosa, ela é muito simpática, é uma pessoa que fala de morte, que trabalha com morte, ela tinha até uma funerária até pouco tempo, eu acho que ela vendeu, mas ela é muito alegre, ela é muito pra cima, sorridente e brincalhona. Então, ela mudou completamente essa ideia. Inclusive, eu recebi um convite da editora no ano passado para ir num jantar de uma associação de funerárias e crematórios do Brasil, tipo, a coisa mais surreal da minha vida e foi bem no Dia dos Namorados, dia 12 de junho. Aí você chega lá e aquele bando de gente branca, rica, velha, com aquelas roupas de festa e lá no meio a Caitlin, altona, rindo e gesticulando, né. Ela mudou completamente a imagem que a gente tem dessa indústria, que a gente tinha, pelo menos que eu tinha, e ela transformou tudo numa coisa muito normal. 

Ela conta também que a primeira vez que ela teve contato com a morte, foi num shopping quando ela era criança. Parece que uma outra criança caiu e morreu de uma grande altura e aquela imagem ficou na minha cabeça. Imagina uma criança assistir isso?

E pensei também no caso da minha amiga, né, porque no velório da minha amiga, estavam os filhos dela. Dois nenéns e uma menina de 11 ou 12 anos que me abraçou e falou, “Nossa, por que que minha mãe fez isso? ”.

[Michelle Henriques] Tem um outro vídeo dela que eu gosto muito, que ela é do Havaí e ela visitou um antigo leprosário de lá, daí ela fica falando que as pessoas eram jogadas lá porque elas estavam com uma doença que ninguém sabia lidar, então largavam as pessoas e você vê na cara dela a tristeza. De tudo e de toda a história da morte é muito complicada na nossa história, porque o ser humano não sabe lidar e bem que você falou, a gente passando por quarentena, esses dias eu vi uma matéria lá em Belém, no Pará, sobre corpos empilhados porque não tem espaço nas geladeiras. Daí você fica, “Nossa, olha como está perto da gente”, sabe? A gente está em segurança dentro de casa e não está vendo a realidade como está, mas está muito complicado.

Ela tem um outro livro que eu não li ainda, que é o seguinte, Para Toda a Eternidade, se eu não me engano, onde ela estudou cultura da morte em vários lugares do mundo, Bolívia, Japão, e ela cita algumas coisas no Confissões do Crematório, inclusive ela fala dos “uaris”, eu não sei se é assim que fala, tá, que é uma comunidade indígena do Brasil…

[Thiago Lee] O povo indígena que Michelle mencionou é o povo Wari’ (Uari), que habita as terras que hoje compõe parte do estado de Rondônia.

[Michelle Henriques] … e não é que praticavam o canibalismo, mas depois que os parentes deles morriam, eles devoravam todas as carnes, porque era uma forma de “eliminar” a existência da pessoa na terra. Esse não é o termo correto, óbvio, até peço desculpas se alguém discordar de mim, pode discordar porque eu estou falando errado, mas que eu não tenho palavras melhores pra dizer agora. 

A Caitlin é totalmente contra embalsamar corpos, porque ela fala que não tem necessidade de “higienizar” um corpo. Tirar o sangue dela, colocar um produto químico que vai fazer muito mal para a pessoa que está fazendo esse procedimento, só porque as pessoas não sabem lidar com o corpo morto, né, tem que deixar bonito para pessoa ver, para os outros verem. Ela é a favor do enterro natural, aquela coisa de colocar as cinzas junto com uma árvore, que é o que eu também sou muito a favor. 

Então, ela discorre muito sobre isso, sobre esse distanciamento, porque as pessoas morrem mais em casa, não é a família que cuida do corpo, que veste, é sempre a pessoa da funerária. Tem essa coisa de “você cuida, eu não vou cuidar”, e era da nossa cultura e é de muitos lugares que a própria família cuide.

[Thiago Lee] O que você faria se um familiar estivesse sofrendo no fim da vida? Você sabe quais os desejos de seus parentes após a morte, se querem ser cremados, enterrados?

[Michelle Henriques] Um dos últimos capítulos é justamente sobre essa coisa da gente ter prolongado tanto a vida das pessoas, mas não dar a qualidade de vida, porque a gente vê as pessoas com 90 a 100 anos, mas em uma cama, com mobilidade reduzida, com Alzheimer, então a medicina avançou nessa coisa de prolongar a vida, mas não de cuidar dessas pessoas. Vale a pena você viver 90 anos sendo 10 deles em uma cama dependendo dos outros? Sem ter controle do seu corpo e da sua mente? Então ela me fez pensar muito nisso e em como a eutanásia é um tabu gigantesco, principalmente no Brasil, ainda mais nesse governo lixo que a gente vive, se o aborto é uma discussão, imagina eutanásia.

Se bem que se a gente pensar, eu ia falar a Idade Média, mas não precisa ir  longe não, aquelas famílias do começo do século passado que tinham 20 filhos e quando morriam um era, “Ah, morreu, vou fazer o que?”, porque era comum crianças morrerem naquela época. É um sentimento diferente do que a gente tem quando uma criança morre perto da gente, então entender o que mudou na discussão, o que mudou na época, a Caitlin me fez pensar muito nisso tudo e me fez ver a morte de uma forma menos mórbida também, porque é uma coisa que é certeza na nossa vida, então por que vai ser mórbido? 

Eu acho o que ficou de lição maior para mim, foi “falem sobre morte com as pessoas”. Eu tento ter essa conversa com os meus pais, mas é muito difícil.

Em 2014, antes de ler o livro, o meu pai foi operar da vesícula e aí ele um dia antes da cirurgia falou assim pra mim, “Olha, esses são os meus cartões, as senhas são tais, tira todo o dinheiro, não deixa o banco te roubar nada se acontecer alguma coisa comigo”, e deu o telefone de um fulano que devia 100 reais para ele e falou, “Vai cobrar o fulano”, daí eu falei “Ai ,pai, credo! Não fala isso não!”, mas, tipo, fala sim, cara! E se acontecer alguma coisa com meu pai? Eu não sei o que eu tenho que fazer. Sei lá, meu pai é português, o que ele quer? Ele quer ser enterrado aqui? Ele quer ser enterrado em Portugal? Ele quer ser cremado? Eu levo as cinzas para lá ou deixo aqui mesmo? A minha avó, quando morreu, foi cremada e as cinzas dela ficaram por anos na estante da minha tia. Isso não é o que eu queria, eu queria levar para Portugal também as cinzas da minha avó e espalhar na cidade dela. Mas era o que minha avó queria? Não sei, não faço a mínima ideia, entendeu? 

E aí esse livro me fez pensar nessas questões. A gente tem que falar o que a gente quer. Eu quero que doem todos os meus órgãos, eu quero doem todos os meus livros para uma biblioteca, eu quero, tipo, que queimem os meus diários, pelo amor de Deus, não deixa ninguém ler essas baixarias. Mas ninguém fala disso. Por quê? Porque continua sendo um tabu e eu já teria deveria ter, antes dessa cirurgia, essa conversa. Meu pai inclusive teve um ataque cardíaco tem dois anos, então, mais do que nunca, eu preciso conversar sobre isso. É muito dolorido, mas meus pais estão envelhecendo, meu pai tem um problema de saúde, eu tenho que ficar brigando com os “dondocos” porque eles querem ficar saindo de casa na pandemia. Mas eu não estou lá e esse tipo de conversa tem que ter pessoalmente, então eu fico pensando, “Eu já deveria ter conversado isso com eles”, sobre mim também, porque eu posso morrer amanhã, não sei como vai acontecer. 

Inclusive, no caso, da minha amiga, se eu já tivesse lido esse livro, eu não teria me culpado tanto e não teria ficado quatro anos “louca”, fazendo um monte de bosta e tentando me punir por uma coisa que não foi minha culpa, sabe?

[Michelle Henriques] A Raquel que trabalha na DarkSide me mandou mensagem no WhatsApp perguntando se eu estava livre no Dia dos Namorados…

[Thiago Lee] Michelle me contou que teve o prazer de conhecer a autora do livro e que foi um dos momentos mais incríveis da vida dela.

[Michelle Henriques] … aí ela falou, “Eu queria te convidar para uma rolê de amigas”, e aí eu falei, “Com certeza, vamos, foda-se namorado, né”, até porque a Raquel não mora em São Paulo, então seria muito bom revê-la. 

Então, ela me perguntou se eu estaria livre e eu falei que estava lá e tal e ela falou “Tá, já te dou mais detalhes”. Aí ela me manda o convite do jantar da associação de crematórios e cemitérios, daí eu, “Hum, que legal, né”. Aí quando ela entrou no site, eu vejo como convidada a Caitlin Doughty e eu quase tive um treco, eu falei, “Mano… sério?!”, aí ela, “É” e ela falou também assim, “Talvez não dê pra conversar com ela e tal, mas vamos no jantar e eu te apresento pra ela, né”.

Eu cheguei lá tremendo que nem vara verde, eu conheci ela e comecei a tremer também, eu só sabia falar que eu amava ela, aquelas coisas ridículas de fã. Mas foi legal, a gente falou de futebol, reclamou do Bolsonaro e do Trump, no caso dela, essas coisas, e no dia seguinte, teve uma coletiva de imprensa dela. Eu achei que iria ser tipo um monte de jornalistas sentadinhos, ela falando e eles anotando, aí a Raquel me avisa, “Não, você vai entrevistar ela individualmente”, daí eu, “Que?! Como é que é o negócio? ” e ela, “É”, mas eu nem tinha preparado perguntas nem nada, assim, teria feito duas perguntas, se eu tivesse oportunidade, né.

Foi muito engraçado, porque nesse dia da entrevista, antes eu fiz umas fotos para a Casa Vogue por causa do Leia Mulheres, então eu estava toda maquiada e com o cabelo bonito, aí eu falei, “Nossa cara, olha que coisa boa”, porque eu jamais iria saber fazer aquelas coisas na minha cara. Então, eu cheguei lá para entrevistar ela e enquanto arrumavam a câmera, eu comecei a falar com ela de gato, porque eu sei que ela gosta também, a gente ficou trocando foto de gato, eu contei da minha gata que morreu e a gente ficou trocando mó ideia. 

Ela disse que gostou muito das minhas perguntas, fiquei feliz com isso, inclusive o vídeo está no site do Leia Mulheres, se alguém quiser dar uma olhada, e foi maravilhoso, porque assim, meu maior medo é amar uma escritora ou um escritor, conhecer eles e aí se decepcionar. Quando eu conheci o Karl Ove Knausgård, eu fiquei morrendo de medo dele ser um cuzão, mas ele fez foi super gentil também, então eu pude continuar gostando dos livros dele. Então meu amor pela Caitlin só aumentou e nesse mesmo dia que eu fiz essa entrevista com ela de manhã, à noite ela foi dar autógrafo numa galeria aqui na Augusta em São Paulo e aí eu fiquei ajudando na DarkSide, tipo, a tirar foto e não sei o que, e aí eu consegui conversar mais com ela. Nossa, foi muito especial, foi um dos melhores dias da minha vida, aquela coisa de fã, sabe?

Por isso eu acho esse livro tão importante e eu recomendo para todo mundo, assim, eu sou do Leia Mulheres e aqui em São Paulo a gente já fez um clube sobre ele, eu já resenhei ele, eu já escrevi sobre ele. Eu gosto muito desse livro, eu acho já dei esse livro de presente para bilhões de pessoas, eu gosto demais dele. 

Ele é muito gostoso de ler, porque ela vai falando com você como se uma conversa e mesmo sendo um assunto tão pesado, ela vai falando numa leveza e ela vai conversando com o leitor, ela vai contando a história da vida dela, histórias de pessoas que trabalhavam com ela e eu gosto muito de livros de memórias e de relatos e de biografias. Acho que talvez seja um dos meus gêneros preferidos, apesar de eu não ler tantas memórias, eu acho que meu gênero preferido. Realmente é muito gostoso de ler o livro, você está lendo aquelas coisas pesadas, morte de criança, suicídio, afogamento, eu não sei o que, mas você está indo na leitura, você é bem fisgado.

Casou perfeitamente comigo esse tema porque assim, eu faço resenhas de livros para o site do Leia Mulheres, claro, mas tem livro que eu não consigo resenhar no site do Leia Mulheres, porque são livros que mexem comigo e aí eu quero escrever coisas sobre a minha vida relacionando com aqueles livros. Isso acontece muito com poesia, isso acontece muito com livros sobre depressão, sobre solitude e afins. Eu li o livro A Cidade Solitária da Olivia Laing e aí eu comecei a escrever, mas de repente eu estava contando várias bads da minha vida e não sei o que, aí eu falei “Mano, isso é muito pessoal para colocar na Leia Mulheres”, então eu coloco no meu blog pessoal. 

Eu escrevi sobre o livro da Ana Guadalupe, o Preocupações, que é o livro de poesia dela, e aí eu fiquei depois, “Ai, será que ela vai ficar chateada que eu não resenhei o livro, que eu não postei no Leia Mulheres e tal”, mas ela ficou super feliz e ela falou, “Meu, minhas poesias te tocaram de uma forma que você relacionou com a sua vida, é uma resenha afetiva” e eu gostei muito do termo “resenha afetiva”. Então, tem muito tempo que eu não escrevo sobre um livro no Leia Mulheres, porque eu quero fazer resenha afetiva, por isso eu escrevo no meu blog pessoal. 

Eu acho assim, depois de gatos, livros são a coisa mais importante da minha vida, eu gosto muito de falar de livros sobre “você tem que ler esse livro não porque ele é bem escrito”, “porque a poética”, porque o caralho que for, eu quero te falar “leia esse livro que vai mudar sua vida nessa sua visão” ou “ele vai mexer com alguma coisa em você”. Eu acho que é muito mais válido, eu prefiro que você me conte porque você chorou com esse livro do que se o autor usa o verbo corretamente. 

Eu gosto de recomendar esse livro até para quem não tem o hábito de leitura, porque se o livro for muito difícil, tipo, uma pessoa não tem o costume de ler e  você vai mandar ela ler Hilda Hilst, nem eu que leio desde que era criança, muito e todo dia, não entendo o que a Hilda Hilst fala às vezes. Então uma pessoa que não tem o hábito vai achar muito complicado, portanto eu acho que a Caitlin tem uma escrita muito fluida, é gostoso de ler o livro, ela tem um senso de humor que não é desrespeitoso, ela fala de uma coisa pesada usando um tom leve, ela te deixa confortável tratando desse assunto. Sabe aquela conversa de sexo que seus pais têm com você quando você é criança que é extremamente desconfortável e você quer enfiar sua cabeça debaixo da terra? Ela faria isso de uma forma mais leve, eu tenho essa impressão.

Esse é o jeito que ela escreve e também é uma forma da gente enfrentar a morte de frente, literalmente, porque a gente esconde isso. E sei lá, eu fico pensando, eu não acredito em Deus, mas Deus me livre e me guarde, se minha mãe falecer amanhã, eu não sei o que ela quer que eu faça com o carro dela. Eu não sei o que ela quer que faça com as roupas dela, se é para doar. Quando a minha avó morreu foi isso, ela tinha milhões de roupas e a minha avó acumulava coisa, minha mãe achou um sapato que ela deu para ela em 1979. Estava na caixa e com a nota ainda, porque minha avó não usava “porque era para guardar para quando precisar”. 

É engraçado, né, porque eu lembro que quando eu adotei a primeira gata, Natasha, que morreu com 21 anos inclusive, minha gata highlander, ela uma vez subiu em cima do armário da minha mãe quando ela era pequenininha e derrubou todas as porcelanas e cristais da minha mãe, ela quebrou tudo. E aí eu falei, “Viu só? Você nunca usou porque você tinha medo de quebrar, a gata derrubou tudo e quebrou. E agora? ”. Aí o que é que ela fez? Tudo que não quebrou, ela botou para o uso, porque é isso, cara, a gente não sabe o que vai acontecer amanhã. Então, eu acho que a gente pode não ser pego de surpresa, o livro me mostra isso. Tipo, não seja pego de surpresa, enfrente as coisas com mais naturalidade, porque é a única certeza que a gente tem, né…

[Thiago Lee] “A História Além da História” é uma produção do Curta Ficção. Eu sou o Thiago Lee, roteirista e editor.

As informações dos livros citados e créditos de trilha sonora podem ser encontrados no post do episódio.

Arte de capa por Johnatan Marques e transcrição do episódio por Ton Borges.

Até a próxima.