[TRANSCRIÇÃO] CF 016 – Narração: Primeira Pessoa

Transcrição referente ao episódio 016 do Curta Ficção, sobre “Narração em primeira pessoa”, que pode ser acessado clicando neste link.

Transcrição por Ton Borges


[Thiago Lee] Começa agora mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo. Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

[Thiago Lee] E hoje vamos começar mais uma série de episódios falando sobre pontos de vista da nação. Hoje vamos falar sobre narração em primeira pessoa.

[Vinheta]

[Thiago Lee] Infelizmente nosso amigo Rodrigo está viajando ainda, então continuamos com nossa maratona de episódios semanais aqui eu e a Jana.

Bem, continuando nossa experimentação de pautas e temáticas, resolvemos fazer mais uma série de episódios de cunho um pouco mais técnico. Pra começar, vamos falar um pouco dos tipos de narrativas no que tange ao narrador. Vantagens e desvantagens e exemplos de cada pessoa, a primeira pessoa, a terceira pessoa, etc. Para ficar mais organizado. O episódio de hoje nós vamos focar em narradores em primeira pessoa, próxima semana falaremos sobre a terceira pessoa.

[Jana Bianchi] E de novo assim, a existência e a permanência dessa série vai depender do interesse dentro de vocês.

Então depois que vocês ouvirem um episódio, respondam para gente se vocês gostaram desse formato. Se sim, quais temas vocês gostariam de ouvir nesses episódios um pouquinho mais didáticos, mais técnicos, falem pra gente aí o que vocês acham.

[Thiago Lee] Isso é só mais um detalhe também, eu sei que muita gente gosta de comentar na nossa postagem no Facebook, mas é aquele negócio, quando a gente posta no Facebook o episódio e vocês comentam, depois de um tempo a postagem meio que some, só fica lá no limbo. Se vocês quiserem abrir alguma discussão, nós sugerimos que vocês vão lá no site mesmo e comentem lá, porque vai ficar pra sempre e vai poder fomentar mais discussões sobre o assunto

Bom, entrando no tema especificamente, o que é a narração em primeira pessoa? É o narrador que se inclui na narrativa, também conhecido como narrador personagem. A gente vai abordar aqui algumas vantagens e desvantagens mais para frente e vamos falar bem de modo simples dessa narrativa que ela tende a ser mais intimista e permite uma maior aproximação do leitor com o narrador, ao mesmo tempo em que limita o acesso do leitor aos pontos de vista de outros personagens.

[Jana Bianchi] É interessante destacar aqui que nem sempre o narrador é o protagonista. Um exemplo bem célebre disso é o livro O Grande Gatsby do Fitzgerald, que ele conta a história do Gatsby, obviamente né, mas ele é narrado em primeira pessoa pelo Nick que é o vizinho do personagem do título.

[Thiago Lee] Isso, lembrei agora também dos livros do Sherlock Holmes, que quem narra é o Watson, né. E outro exemplo também nesse estilo aí são as Desventuras em Série, que o narrador é o Lemony Snicket, que é um personagem e o heterônimo do autor, mas ele é bem distinto assim, ele quebra a quarta parede, tem uma coisa bem bacana nisso. Dá pra ver como usar o narrador em primeira pessoa dá para fazer uma experimentação bem legal e os livros Desventuras em Série são conhecidos justamente por essa narração bem distinta. Eu acho que é bem legal essa experimentação.

[Jana Bianchi] É uma primeira pessoa que quase lembra uma terceira pessoa, porque a gente está sempre distante do Lemony Snicket, né. Só de vez em quando é que ele faz algum comentário em primeira pessoa que você se dá conta, “Nossa, é verdade! É ele quem está narrando, é superinteressante mesmo.

[Thiago Lee] Então, começando com as vantagens de se utilizar um narrador em primeira pessoa. Como eu comentei aqui, uma das principais vantagens é a aproximação do leitor com o narrador. Afinal de contas, o leitor está vendo o mundo pelos olhos e com a cabeça do personagem, como se eu tivesse uma câmera nos olhos dele, então fica bem mais fácil você entender, ter empatia pelo personagem que está narrando e a empatia é uma das coisas mais importantes de uma história, em especial se o narrador for o protagonista. 

Por conta dessa facilidade da associação, que é um cuidado que a gente precisa ter na hora de descrever personagens em primeira pessoa principalmente, nessa tem que se deixar claro qual é a linha entre o que o personagem pensa e o que você como escritor quer perpetuar com a mensagem.

[Jana Bianchi] Não quer dizer que é proibido, mas se você está escrevendo um livro sobre o ponto de vista de uma pessoa racista, machista, o que quer que seja, você tem que lembrar que são grandes as chances de você acabar perpetuando aquela mensagem como correta, porque afinal de contas, independentemente se seu personagem é moral, imoral ou não, a gente quer que o leitor entenda que ele é o personagem. Um exemplo assim que me vem à cabeça agora é o Dias Perfeitos de Raphael Montes, em que o personagem é um psicopata. Não acontece isso, ele não perpetua uma mensagem negativa nem nada, mas você tem que tomar cuidado, porque a gente nunca sabe quem vai ler o livro e que tipo de mensagem ela vai tirar daquilo.

[Thiago Lee] Um exemplo clássico também é o próprio Lolita do Nabokov, que a ideia dele era mostrar essa pessoa horrível pelo ponto de vista dela e a gente sentir o asco de como essa pessoa pensa, só que muita gente interpretou como, “Não, está certo esse cara”, romantizou o problema, enfim, são coisas você tem que levar em consideração. E a pior coisa que percebi aqui agora é nós falamos de vantagem, mas acaba que pode ser até uma desvantagem.

[Jana Bianchi] Sim, nesse caso acho que é uma tensão.

[Thiago Lee] Isso, é uma vantagem ter essa intimidade, mas toma cuidado com esse tipo de coisa.

[Jana Bianchi] É um efeito colateral, né. 

E outra vantagem do narrador em primeira pessoa é que você pode trabalhar com um narrador não confiável. Na verdade, de novo aqui, isso pode ser uma vantagem ou desvantagem, mas eu acho que se bem feita, é mais uma vantagem. Porque quando seu narrador também é um personagem, o leitor fica meio refém desse personagem para saber os acontecimentos da história. Então assim, com base nas crenças e na própria personalidade do personagem que está narrando, os acontecimentos vão ser naturalmente descritos com algum tipo de viés, seja esse viés intencional ou não. Inclusive o narrador pode escolher eliminar aspectos da história totalmente ou então implantar acontecimentos falsos, daí o leitor fica refém disso. Isso é interessante que você pode fazer várias coisas legais com isso.

[Thiago Lee] Sim, principalmente reviravoltas, que é o famoso plot twist. Você pode introduzir reviravoltas usando essa ferramenta do narrador não confiável. Por exemplo, o protagonista pode te levar a pensar uma coisa, uma versão da história e de repente essa versão não ser a verdade, seja através de um coadjuvante que te apresenta outra versão através de diálogos ou narrador inclusive pode mudar de ideia e contar a verdade ou mentir. Enfim, você pode fazer esse jogo de palavras, esse jogo de ideias, com o narrador em primeira pessoa, depois de já ter contado uma certa versão, contanto que você não confunda seu leitor, acho que isso é extremamente válido. É bem interessante de fazer o leitor refletir e julgar a história enquanto ele está lendo.

[Jana Bianchi] Até naquelas histórias de crime que ninguém sabe quem é o verdadeiro criminoso, num caso desses pode ser o próprio protagonista se foi bem utilizado na narrativa, por exemplo. 

Agora falando das desvantagens da primeira pessoa. A mais óbvia, né, que nós até mencionamos no começo, é que você obviamente limita o ponto de vista. Logo quando você escreve em primeira pessoa, tem acesso ao ponto de vista do personagem narrador, ou assim, no caso que o livro seja narrado por vários personagens, você tem acesso a vários pontos de vista, mas só aos pontos de vista que estão dentro daquela lista de personagens narradores. Então o acesso ao pensamento de personagens secundários ou o acesso ou a visibilidade de cenas que estamos passando fora do núcleo, fora dos olhos daqueles personagens, é totalmente limitado, a gente não pode narrar alguma coisa que um personagem não está vendo e aí dependendo da história, se a informação, essa informação se passa longe do núcleo do protagonista, for extremamente necessária, você vai precisar necessariamente usar alguns recursos diferentes, que vamos mencionar mais ao longo do episódio, ou então você vai ter que passar essa informação, por exemplo,  ao longo de diálogos com outros personagens que estiveram naquela circunstância.

[Thiago Lee] Mas assim, sempre há uma maneira de contornar esse tipo de coisa, não existem regras fixas para a narração. Por exemplo, Harry Potter não é escrito em primeira pessoa, mas ele fica bastante limitado do ponto de vista do Harry, da Hermione e do Rony. E aí para amenizar isso, né, e poder expandir o universo ou mostrar outras coisas, aumentar a tensão, a J.K. Rowling muitas vezes ela usa, por exemplo, a “penseira” que o Dumbledore apresenta ao Harry, que aí você consegue ouvir e ver outros pontos de vista sobre o passado do Voldemort e outras coisas, então continua naquele ponto de vista do Harry, mas mostra outras realidades a partir de alguns artifícios como esse ou até por sonhos mesmo, porque como o Harry e o Voldemort compartilham algumas lembranças, no sonho do Harry você vê o ponto de vista do Voldemort também. 

Então, é legal você identificar esses artifícios antes de começar a decidir, tipo, “Pera aí, eu vou usar a primeira pessoa, mas eu realmente preciso usar primeira pessoa? Eu consigo criar esses artifícios que não sejam forçados…”   (obviamente no caso de Harry Potter não é forçado, faz total sentido na história) “…ou não, eu preciso realmente da primeira pessoa?” Acho que é mais uma questão de escolha de estilo do que de trama. 

Aliás, já falando nisso da escolha do estilo, é muito importante pensar na voz do personagem, que está bem ligado a isso do estilo de escrita, porque criar a voz do personagem é algo bem delicado e em qualquer tipo de narrativa, mas na primeira pessoa você pode perder muito se o narrador não tiver a voz definida e que seja interessante, de preferência. Porque a ideia da primeira pessoa é ter essa intimidade e se você não cria isso, você está perdendo uma grande oportunidade. Esse cuidado ele tem que ser tomado também no caso da terceira pessoa, como por exemplo, temos a narrativa indireta livre, que você meio que usa esses artifícios da intimidade, da forma e do estilo diferente de escrita e joga para a terceira pessoa, mas assim, na primeira pessoa você não tem como fugir, a não ser que você esteja descrevendo a narrativa pelo ponto de vista de um robô, você não tem como fugir disso. 

Para você criar sua voz do personagem, você pode incluir vocabulários específicos, bordões, vícios de linguagem, ritmo da narrativa, tamanho da sentença ou outras coisas que são bem difíceis de dominar, talvez, como por exemplo, eu lembro de um livro agora que eu li há algum tempo, não lembro exatamente qual é o livro, em que o personagem é um adolescente, ele vai narrando em primeira pessoa e quando ele chega a uma certa situação de conflito, ele para a narrativa e aí ele fala, “Bom cheguei nessa situação, o que eu vou fazer? Primeiro, eu posso fazer isso… não, não…  não vai dar muito certo. Segundo, eu posso fazer isso… ah não, pera aí,  mas se eu fizer isso vai dar errado. Terceiro, eu posso fazer isso, mas não…” , tipo ele vai listando as coisas até que ele acha a melhor opção. 

[Jana Bianchi] É quase um fluxo de pensamento enfiado no meio da narração, né.

[Thiago Lee] Isso, ele quebra a narrativa, mas ao mesmo tempo ele constrói o personagem a partir disso, porque você entra na cabeça do personagem, ele dá aquela pensada, depois você volta para a história e aí você meio que muda o ritmo da história, achei bem legal. 

[Jana Bianchi] É, tipo assim, por exemplo, você sabe que ele é indeciso, mas se fosse narrado em uma terceira pessoa, ele tomaria uma atitude “aparentemente” rápida, mas não saberíamos que ele cogitou várias alternativas. 

[Thiago Lee] Inclusive é até legal que ele faz meio que uma brincadeira com isso em algumas das cenas, porque para nós ele meio que para, pensa e volta, mas na verdade ele está pensando enquanto as pessoas estão falando e aí em alguma hora alguém fala, “Eí! Você está prestando atenção no que eu estou falando?” e ele se desculpa, então ele não consegue terminar o fluxo de pensamento e ele só vai terminar no final da cena. Sabe, eu acho que é um artifício muito legal fazer isso e uma boa voz em primeira pessoa se destaca mais do que uma boa em terceira pessoa, mais a chance de criar um personagem é contraditório ou confuso, como falei agora, e até sem identidade, aumenta.

[Jana Bianchi] E aí em alguns casos, escrever em primeira pessoa pode ser um complicador quando você já tem uma voz desenvolvida, mas é uma voz que é difícil de manter por muito tempo de modo verossímil. Às vezes a gente escreve contos ou fições curtas com vozes muito distintas da nossa. E aqui a gente vai dar uma boa “fanboyzada” ou “fangirlzada”, o Santiago Santos faz muito isso nas flash fictions dele e usa muitas vozes malucas, mas se você estiver escrevendo um romance, isso pode ser difícil de sustentar. Alguns exemplos: Histórias narradas são do ponto de vista de um personagem que está imerso numa cultura totalmente diferente da sua ou da nossa, por exemplo, nativos ameríndios, eles pensam de maneiras diferentes devido a sua cultura e línguas, e aí você tentar manter essa narrativa é difícil se você não tem conhecimento dessa perspectiva de vida; histórias narradas num passado muito distante ou num futuro muito distante, em que as pessoas não só falam, como elas pensam diferente da gente e até mesmo histórias narradas do ponto de vista de crianças, por exemplo, ou pessoas com distúrbios mentais como esquizofrenia.

[Vinheta da indicação de livros]

[Thiago Lee] Para a indicação de livro de hoje, a gente vai falar mais de alguns livros lá na frente, mas eu queria indicar um específico que é “O Assassinato de Roger Ackroyd” de Agatha Christie, é um clássico da ficção policial e é um dos livros mais vendidos dela, milhões de cópias vendidas. Ele é um exemplo de narrador não confiável que a gente falou mais cedo e assim, eu não vou entregar o final do livro, obviamente, mas quem leu sabe que eu estou falando, do porque eu estou indicando esse livro aqui. Quem não leu vai correr ler agora!

Esse recurso do narrador não confiável ele é usado como tal maestria que assim, eu e todo mundo que leu o que eu conheço, fez a mesma coisa que é na hora que termina o livro, ou até antes, quando tem uma certa revelação no final, tipo, eu parei de ler, guardei com marcador a página que eu estava, voltei para o início do livro e comecei a reler tudo, mas com os olhos de quem já sabe o que realmente aconteceu. Porque o narrador ele distorce as coisas de tal maneira que você fala, “Não é possível que eu não percebi essas coisas todas que ele está falando”, “Não é possível! É em primeira pessoa”, “Como assim aconteceu isso, isso e isso?”. Você volta tudo, começa a reler e tipo, “ Caraca, ele conseguiu esconder todas essas coisas na narrativa sem que eu percebesse”.

[Jana Bianchi] É tipo Sexto Sentido.

[Thiago Lee rindo] Isso, isso, só que versão literária. Só que Sexto Sentido acho que seria isso com terceira pessoa.

[Jana Bianchi] Exato, eu ia falar isso agora.

[Thiago Lee] Ou não, até que daria para escrever o Sexto Sentido em primeira pessoa com o Bruce Willis como protagonista. 

[Jana Bianchi] É, daria. Ou ele ou menininho lá em primeira pessoa.

[Thiago Lee] Bom, mas fica aí, “O Assassinato de Roger Ackroyd” de Agatha Christie como indicação.

[Vinheta de retorno a pauta principal]

[Thiago Lee] Agora vamos entrar nos exemplos de livros que usam a primeira pessoa de alguma forma legal que a gente gostou e gostaria de compartilhar. O primeiro, é um livro bastante conhecido que é o Jogos Vorazes de Suzanne Collins. Ele é um livro que o ponto de vista dele é bem marcado e sempre mencionado porque além de ser em primeira pessoa, Jogos Vorazes ele é narrado no presente, que é um estilo de narrativa que não é tão comum para narrativas longas principalmente e é um pouco incômodo até no começo, porque lendo no presente ele acaba cansando, mas o efeito dessa escolha do livro é que você se associa bastante com a Katniss, né, porque é como se você estivesse vivendo as coisas junto com ela, ouvindo em tempo real os pensamentos e as opiniões dela sobre o que está acontecendo. Então acaba que o que é mais incômodo acaba servindo para um lado bom da história.

[Jana Bianchi] E ao contrário de alguns outros exemplos que a gente vai dar a seguir, a Katniss é uma narradora relativamente confiável. Claro, que sempre tem o viés da opinião do personagem na narrativa, como quando você conversa com qualquer pessoa. Então por exemplo, a gente vê a todo instante o desprezo Katniss pelo povo da Capital, mas ao mesmo tempo ela tem uma personalidade que nos leva a crer que ela está contando a verdade. 

Tem muito isso do narrador confiável ou não confiável ter muito a ver com a personalidade do narrador. Logo, eu não desconfio da Katniss, eu não acho que ela é uma maluca que está querendo sabotar Capital e na verdade capital é boazinha. Eu entendo que de fato o que ela está narrando é que a Capital é ruim mesmo. Nesse ponto a narrativa, no presente também ajuda um pouco, pois como você está dentro da cabeça dela e as coisas estão acontecendo ao vivo e a cores, você acha que, tipo, é difícil o personagem estar enganando o leitor. 

Aí outro exemplo é a série Operação Cavalo de Tróia do J. J. Benítez. Eu escolhi falar desse livro porque ele traz um aspecto muito interessante na primeira pessoa que é a possibilidade de simular ou garantir, depende do autor, de que é a narração daquele livro real. Então no caso, o Benítez de fato insiste que os livros dele são reproduções de dossiês que ele, o autor, recebeu de um major americano que por sua vez garante ter participado de uma missão secreta do governo americano, em que os oficiais do governo voltavam no tempo para interagir com Jesus.

Sim, “ele’, Jesus.

O autor não é muito levado a sério, porque ele escreve sobre ovnis, sobre outras coisas meio malucas assim, ele bem famosão nesse meio, tem aquele O Ovni de Belém, um monte de livros que escreveu, mas ao mesmo tempo todo mundo fica muito com a pulga atrás da orelha em relação a essa série porque a série inteira traz muitos detalhes técnicos e históricos que dão alta verossimilhança ao livro. São coisas que tipo, por exemplo, no livro ele menciona que Jesus foi crucificado pelo pulso que é uma coisa que, mais pelo senso que a gente propaga é aquela imagem de Jesus com chagas na mão, não no pulso. Mas aí se você foi estudar, o pessoal que manja de Física e também de História fala que não, as pessoas elas eram crucificadas pelo pelos pulsos, senão mão meio que rasgava e a pessoa não ficava pendurada. Então tem coisas várias coisas que ele narra, tanto históricas quanto técnicas, em relação à Máquina do Tempo e alguns procedimentos do governo, que fizeram as pessoas ficarem surpresas quando o livro saiu. E isso é legal porque é em primeira pessoa na visão do major, esse major que usa um nome fictício, porque o Benitez disse que ele não quer aparecer, então isso é uma coisa legal da primeira pessoa ao dar essa possibilidade.

[Thiago Lee] É e esse recurso nem é tão comum assim na literatura, né. Parece algo tipo Bruxa de Blair ou Atividade Paranormal que é meio que um “pseudodocumentário”, em que você tem, tipo, a câmera na sua mão. É meio que um paralelo com a narrativa primeira pessoa na literatura.

Bom, o próximo livro que vou falar, o nosso co-host Rodrigo vai ficar puto da vida por estarmos mencionando ele, mas é o Nome do Vento do Patrick Rothfuss. O livro é narrado como uma mistura, um misto de pessoas de narração com uma história da outra, uma história externa, narrada em terceira pessoa, quando o protagonista Kvothe já estava velho e ele está contando a história da vida dele, mas quando ele começa a contar essa história para o cronista, a narrativa pula para a primeira pessoa e é uso bem interessante da primeira pessoa, porque ele mantém essa ideia intimista de pessoas conversando e contando uma história para alguém.

[Jana Bianchi] E esse livro traz um belo exemplo de um narrador não confiável. Assim, a série não acabou ainda, então obviamente a gente não sabe o desfecho, mas a gente sabe desde o começo que o Kvothe está muito a fim de contar a história dele. A gente sabe também que alguma coisa grave aconteceu na vida dele, uma coisa que mudou a vida dele da água para o vinho e a gente também sabe ele é um personagem que tem lábia, que tem toda uma malemolência, um jeitinho. Portanto há grandes chances de que parte das coisas que ele está narrando, que não tem mais ninguém ali junto com ele, está ele, o cronista e o Bast, só ele viveu aquelas coisas, então a gente sabe que tem uma grande chance de que as coisas que ele narra sejam interpretações dele sobre aqueles acontecimentos e isso, essa possibilidade de ele estar mentindo, estar modificando a história, ainda pode, até o final da série, ser usada para criar reviravoltas. Por isso é um exemplo bom de um narrador não confiável que, no caso do Nome do Vento, só deixa tudo mais especial, porque queremos saber o final, em que alguma coisa aconteceu e não dá para saber quem está falando a verdade.

E outro exemplo, falando de um livro nacional, é o livro Rani e o Sino da Divisão, do Jim Anotsu, ele é um ótimo exemplo de livro escrito em primeira pessoa, com a voz do protagonista já bem desenvolvido e criado. É livro juvenil com uma narradora que é uma jovem, no caso a própria Rani, que é muito convincente e tem muita personalidade, convincente não no sentido ficar querendo convencer os outros, mas no sentido de que é uma pessoa de verdade, uma personagem tridimensional. Então, ela é aquele tipo de personagem que gera aquela sensação de “eu sei exatamente o que essa personagem falaria” ou “se tiver uma fala, uma narrativa não endereçada para ninguém, eu vou saber reconhecer que é dela”, que é quando você sabe que a personagem tem uma voz e ainda ele usa vários artifícios diagramação para mostrar coisas que a Rani escreveu, comentários, notas dela no caderno e tal. A gente se sente o tempo todo de fato ouvindo a história de alguém ou lendo os relatos de uma menina, o que é muito legal.

[Thiago Lee] E o interessante é que, nesse caso, ela é a personagem que está sendo introduzida num mundo mágico e a gente vê as descobertas sobre a visão dela, com os conhecimentos que ela tem do mundo, que são os mesmos que o nosso. A não ser que alguém aí saiba detalhes dos xamãs urbanos.

Bom gente, então é isso de exemplos e sobre narrativa em primeira pessoa. Obrigado por ouvir até aqui e se você gostou desse formato de episódio que é um pouco mais didático, mais técnico, com exemplos e tal, avisa para gente.

E como a gente fala sempre, comentem aí no site para os outros ouvintes poderem ler, poderem responder e poderem comentar e virar uma outra conversa um pouquinho maior, mas se vocês quiserem conversar com a gente ou mandar sugestões de pauta, que estamos sempre aceitando, mande um email no contato@curtaficcao.com.br ou então deixa um tuíte no @curtaficcao ou um inbox na nossa página no Facebook que é “Podcast Curta Ficção”. 

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Nós vamos deixar todos links do que falamos na descrição do episódio.

[Jabás]

[Thiago Lee] E esse foi mais um episódio do Curta Ficção, o podcast de escrita que cabe no seu tempo.

Eu sou o Thiago Lee.

[Jana Bianchi] Eu sou a Jana Bianchi.

[Thiago Lee] Até a próxima e semana que vem continuaremos na temática com “narração em terceira pessoa”.

[Vinheta de encerramento]